domingo, 29 de novembro de 2015

De quem é a culpa pelos infortúnios de Delcídio, segundo a mulher dele. Por Paulo Nogueira

Terra em chamas

Em artigo no O POVO deste sábado (28), o médico psiquiatra, antropólogo e professor universitário Antônio Mourão Cavalcante comenta da situação dos muçulmanos pelo mundo. Confira:
Me recuso a ver conflitos humanos presos à ótica do bem e do mal. Um lado é bom. O outro é mau. A partir dessa lógica, as argumentações tornam-se partidárias, tendenciosas. Esse meu “defeito” é fruto de uma formação sistêmica, que sugere ver os fatos como complementares. Sendo uns alimentados pelos outros.
Não venham me dizer que as nações do Ocidente devem ser consideradas como paradigmas da ética internacional. Nunca esqueci, por exemplo, aquela estúpida operação determinada pelo presidente Bush sobre a população de Bagdá. Era noite e víamos – pela TV – apenas aquelas luzes cruzando os céus. Eram milhares de bombas destruindo tudo. Gente. Idosos. Crianças. Mulheres… Guerra?
Quem viveu em algum país europeu – França inclusa! – sabe como os árabes, portando qualquer identidade, são recebidos (recebidos?) com indiferença e mal-estar. Esse clima vem de longe. Vem dos tempos das cruzadas… da pedra lascada. Sei lá de onde!
Hoje, essa revolta guardada, azedada, explode em terrorismo, bombas e degola de cabeças. Sobra para os inocentes… E, como advertia o Belchior: “Eles continuam guardados por Deus, contando o vil metal”.
Vai ser difícil construir uma paz duradoura. A gestação desse conflito tem suas raízes no oco dos mais rancorosos arquétipos das civilizações. De tempos em tempos irrompe. Vira espasmo. E, curiosamente, nasce de jovens desesperados. Daqueles que não encontram saída nem rumo. Seriam mesmos algozes ou os desesperados da contemporaneidade?
Quando os dirigentes ocidentais tiverem tempo para refletir, concluirão que esse caminho de caça às bruxas, é sem retorno. Inútil. Fica difícil entender onde começa um e existe o outro. Esses conflitos resultam de uma engrenagem que não tem a vida humana como princípio básico a preservar. É fruto do oportunismo e do desespero.
Se olharmos a dimensão humana, ambos são culpados. A vida não entra em causa. Há uma disputa e um impasse atroz. A morte passa a ser guia. Viva a morte!
Um grave equívoco dizer que é uma “guerra de civilização”. Coisa alguma… Quem ama a vida, quem propugna pelo direito de ser, viver, amar, não pode ser excludente, nem imaginar que a solução única, definitiva, é a eliminação do outro? Por que quem é o outro senão a extensão de mim mesmo?

domingo, 15 de novembro de 2015

A violência pela violência do Estado Islâmico. Por Leonardo Boff



Paris, 13 de novembro de 2015
Paris, 13 de novembro de 2015
Por Leonardo Boff, em seu blog. 

O Estado Islâmico da Síria e do Iraque é uma das emergências políticas mais misteriosas e sinistras, talvez dos tempos históricos dos últimos séculos. Tivemos na história do Brasil, como nos relata o pesquisador Evaristo E. de Miranda(Quando o Amazonas corria para o Pacífico, Vozes 2007) genocídios inomináveis, “talvez um dos primeiros e maiores genocídios da história da Amazônia e da América do Sul”(p. 53): uma tribu antropôgafa adveniente devorou todos sambaquieiros que viviam nas costas atlânticas do Brasil.
Com o Estado Islâmico está ocorrendo algo semelhante. É um movimento fundamentalista, surgido de várias tendências terroristas. Proclamou no 29 de junho de 2014 um califado, tentando remontar aos primórdios do surgimento do Islãcom Maomé. O Estado Islâmico revindica autoridade religiosa sobre todos os islâmicos do mundo inteiro e assim criar um mundo islâmico unificado que siga à risca à charia (leis islâmicas).
Não é o lugar aqui de detalhar a complexa formação do califado, mas apenas nos restringir ao que mais nos torna confusos, perplexos e escandalizados por usar a violência pela violência como marca identitária. Entre os muitos estudos sobre o fenêmeno cabe destacar dois italianos que viveram de perto esta violência: Domenico Quirico (Il grande Califfato 2015) e Maurcio Molinari (Il Califfato del terrore, Rizzoli 2015).
Quirico narra que se trata de uma organização exclusivamente masculina, composta por gente, em geral, entre 15-30 anos. Ao aderir ao Califado apaga todo o passado e assume nova identidade: de levar a causa islâmica até a morte dada ou recebida. A vida pessoal e dos outros não possui nenhum valor. Traçam uma linha rígida entre os puros (a tendência radical islâmica deles) e os impuros (todos os demais, também de outras religiões com os cristãos, especialmente os armênios). Torturam, mutilam e matam sem qualquer escrúpulo. Ou se convertem ou morrem, geralmete degolados. Mulheres são sequestrasdas e usadas como escravas sexuais pelos combatentes que as passam entre si. O assassinato é louvado como um “ato dirigido para a purificação do mundo”.
Molinari conta que jovens iniciados por um video sobre as decapitações, pedem logo para serem decapitadores. Parte dos jovens são recrutados nas periferias das cidades européias. Não apenas pobres, mas até um laureado de Londres com boa situação financeira e outros do próprio mundo árabe. Parece que a sede de sangue clama por mais e mais sangue e pela morte fria e banal de crianças, idosos e de todos os que relutam em aderir ao islamismo.
Financiam-se com o sequestro de todos bens das cidades conquistadas da Síria e do Iraque, mas especialmente do petróleo e gás dos poços arrebatados, propiciando-lhes um ganho, segundo analistas de energia, de cerca de três milhões de dólares/dia, geralmente vendidos a preços muito mais baixos nos mercados daTurquia.
O Estado Islâmico recusa qualquer diálogo e negociação. O caminho só possui uma via: a violência de matar ou de morrer.
Esse fato é perturbador, pois coloca a questão do que é o ser humano e do que ele é capaz. Parece que todas as nossas utopias e sonhos de bondade se anulam. Perguntamos em vão aos teóricos da agressividade humana, como Freud, Lorenz, Girard. As explicações nos soam insuficientes.
Para Freud, a agressividade é expressão da dramaticidade da vida humana, cujo motor é a luta renhida entre o princípio de vida (eros) e o princípio de morte (thánatos). Descarrega-se a tensão para fins de auto-realização ou proteção. Para Freud, é impossível aos humanos controlar totalmente o princípio de morte. Por isso, sempre haverá violência na sociedade. Mas por leis, pela educação, pela religião e, de modo geral, pela cultura pode-se diminuir sua virulência e controlar seus efeitos perversos (cf. Para além do princípio do prazer, Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. 5).
Para Konrad Lorenz (1903-1989), a agressividade é um instinto como outros e destina-se a proteger a vida. Mas ela ganhou autonomia, porque a razão construíu a arma mediante a qual a pessoa ou o grupo potencializa sua força e assim pode se impôr aos demais. Criou-se uma lógica própria da violência. A solução é encontrar substitutivos: voltar à razão dialogante, aos substitutivos, como o esporte, a democracia, o autodomínio crítico do próprio entusiasmo que leva à cegueira e, daí, à eliminação dos outros. Mas tais expedientes não valem para os membros do Califado.
No entanto, Lorenz reconhece que a violência mortífera somente desaparecerá quando se der aos homens, por outro modo, aquilo que era conquistado mediante aforça bruta (cf. Das sogenannte Böse: Zur Naturgeschichte der Aggression. Viena 1964).
René Girard com seu “desejo mimético negativo” que leva à violência e à identificação permanente de “bodes expiatórios” pode se transformar em “desejo mimético positivo” quando ao invés de invejar e de se apoderar do objeto do outro, decidimos compartilhá-lo e desfrutá-lo juntos. Mas para ele a violência na história é tão predominante que lhe significa um mistério insondável que não sabe como decifrar. E nós também não.
Na história há tragédias, como viram bem gregos em seus teatros. Nem tudo é compreensível pela razão. Quando o mistério é grande demais, é melhor calar e olhar para o Alto, de onde, talvez nos venha alguma luz.
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Sobre o Autor

O ciúme e a transposição do Velho Chico

Chora, Urubologa, chora!

The Sound of Silence – Simon & Garfunkel

terça-feira, 10 de novembro de 2015

EUA x Rússia e China: a destruição do poder pela força

Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Ao meditar sobre este evento lembrei as palavras sábias de Hannah Arendt:
"O domínio pela pura violência entra em jogo quando o poder está sendo perdido..."
"...em termos de política, não basta dizer que violência e poder não são a mesma coisa. Poder e violência se opõe; onde um deles domina totalmente o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em perigo, mas se a permitirem seguir seus próprios caminhos, resulta no desaparecimento do poder. Isto implica em não ser correto pensar no oposto da violência como sendo a não violência; falar em poder não-violento é uma redundância. A violência pode destruir o poder, mas é totalmente incapaz de criá-lo." (Crises da República, Hannah Arendt, editora Perspectiva, 3ª edição, 2013, São Paulo, p. 130-132).
Esta demonstração de força dos EUA pode ser considerada, portanto, como uma demonstração do enfraquecimento do poder dos EUA. Não só isto. Em um outro parágrafo memorável Arendt afirma que:
"Em consequencia da enorme eficiência do trabalho de equipe nas ciências, o que talvez seja mais notável contribuição americana à ciência moderna, podemos controlar os processos mais complicados com tal precisão que faz uma viagem à lua menos perigosa que um simples passeio de fim de semana; no entanto a chamada 'maior potência da terra' está desamparada para terminar uma guerra claramente desastrosa para todos os envolvidos, num dos menores países da Terra [o Vietnan]. É como se estivéssemos sob algum encantamento, que nos permitisse realizar o impossível com a condição de não podermos mais fazer o possível, para realizarmos proezas fantasticamente extraordinárias com a condição de não sermos mais capazes de satisfazer nossas mais banais necessidades diárias."  (Crises da República, Hannah Arendt, editora Perspectiva, 3ª edição, 2013, São Paulo, p. 155).

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A entrevista no SBT mostrou por que Lula é tão temido. Por Paulo Nogueira



Postado em 06 nov 2015
Um orador
Um orador
Você pode não gostar de Lula. Pode detestar. Pode abominar.
Mas você vê uma entrevista como a que ele concedeu ontem ao jornalista Kennedy Alencar, no SBT, e logo entende por que os caras têm tanto medo dele.
Imagine Lula, numa eventual campanha em 2018, debatendo com Aécio. Ou com Serra. Ou com Alckmin.
Ou com quem quer que seja.
É concorrência desleal. É profissional versus mirins.
O tempo deixou claro que desde Lacerda os brasileiros não viam um talento tão notável em oratória.
Com a diferença de que Lacerda falava a língua da classe média, e Lula fala a língua do povo.
Lula é um natural, para usar uma expressão inglesa. Nasceu orador. O resto foi consequência, da carreira sindical à presidência.
Ele fala com graça, com verve, com espírito. E, talvez o maior de seus atributos retóricos, transmite sinceridade.
Tudo isso se viu na entrevista de ontem.
A forma como ele referiu às invencionices contra seu filho Lulinha faz você rir e refletir. Ele disse que Lulinha é dono da Casa Branca e da Torre Eiffel.
Só com muito mau humor para não deixar escapar uma risada.
As referências a FHC foram também um dos pontos altos da entrevista.
Primeiro, na questão de fundo: a inveja que FHC parece ter de Lula. Com o correr dos dias, FHC foi diminuindo do ponto de vista histórico e Lula aumentando.
Hoje é claro que FHC governou para os ricos, para a plutocracia. E Lula para os excluídos.
É justo, num país tão desigual, que Lula seja por isso tão maior que FHC.
Lula deu também uma resposta definitiva a FHC na questão da corrupção. Toda vez que ele falar em corrupção tem que pensar na emenda que permitiu sua reeleição.
O Congresso foi comprado com dinheiro vivo, embalado em malas, para que FHC pudesse ter um segundo mandato.
Na questão da Petrobras Lula deixou escapar uma estocada sutil mas doída na imprensa.
Disse que jamais a nossa gloriosa imprensa o avisou de corrupção na Petrobras. É verdade. Nunca jornais e revistas fizeram nada no campo investigativo sobre a Petrobras.
É uma mídia viciada em vazamentos, em receber tudo no colo e depois gritar como se estivesse fazendo um outro Watergate.
Na entrevista, Lula mostrou também um bom senso que vem faltando a quase todo mundo.
Ficar falando em eleições três anos antes é uma insensatez. É conhecida a grande frase de Keynes: “A longo prazo estaremos todos mortos”.
Há um tempo para cuidar de eleições, e não é este de agora. Há problemas presentes que devem ser enfrentados antes de nos debruçarmos sobre 2018.
Temos na presidência da Câmara, por exemplo, um embaraço monstruoso, Eduardo Cunha.
E temos também uma imprensa que se bate até contra o direito de resposta, uma coisa sagrada em qualquer democracia.
Há hora para tudo.
Por enquanto, o que se viu, ontem, é que não é à toa que os caras temem tanto Lula.
Quem não temeria se estivesse no lugar deles?
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.