Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel -
30.3.2014
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9h00m
COLUNA NO GLOBO
A cena: reunião que aprovou o Ato Institucional número 5, o pior deles, que cassava todas as liberdades e instalava o terror de Estado. Dada a palavra ao ministro da Fazenda, Delfim Netto, ele disse que era pouco. Achou fraco. Era preciso, disse, que fosse ainda mais forte para fazer as reformas que o país precisava. Elas não foram feitas e ele afirma hoje que de nada se arrepende.
Nos anos seguintes o país cresceu; excluindo os pobres e concentrando renda. O crescimento mais forte foi o resultado de um conjunto de fatores. Chegou ao incrível número de 14% no ano em 1973. O economista Edmar Bacha conta que 70% do crescimento foram apropriados pelos 10% mais ricos.
O Milagre é só um lado da história. Entre 1981 e 1983 o país conheceu uma dolorosa recessão, com a economia sob o comando do mesmo Delfim, então ministro do Planejamento do último governo militar.
Não é verdade que na economia a ditadura acertou. Nem isso. A herança deixada para os governos democráticos foi uma inflação acelerada e indexada. A inflação carregava em si o fermento do seu crescimento. Era alta e explosiva. Nos primeiros anos do governo civil começou a luta contra ela. No livro que escrevi sobre o assunto chamei esse esforço nacional, penoso e longo, de saga. Só em 1994, quase uma década depois do fim do regime, foi possível livrar-se da hiperinflação indexada.
Quem vê a série histórica pode imaginar que depois que eles saíram é que os índices chegaram a números aterradores. Na verdade, os militares deixaram o índice num ritmo descontrolado, em torno de 300%, mas com o combustível que a faria crescer nos anos seguintes. As primeiras tentativas de romper com esse passado foram minadas pelo populismo do primeiro governo civil, presidido por um leal servidor da ditadura, José Sarney. A pior tentativa de domar a inflação foi realizada pelo voluntarismo simplista do governo Collor. O que nos livrou do tormento da superinflação foi o Plano Real.
O golpe dado contra as instituições teve como um dos pretextos acabar com a inflação, e, 21 anos depois, ela estava mais alta e mais forte. O preço político exigido do país foi pesado. Aquilo que o ministro Delfim Netto disse na reunião foi, é, sempre será indefensável: endurecer para fazer reformas modernizantes. Não foram feitas as reformas necessárias e o endurecimento enlutou famílias e revogou direitos civilizatórios. O Plano Real e outros avanços mostram que só o convencimento através do diálogo democrático cria mudanças permanentes.
A herança maldita deixada pela economia do governo militar foi além da inflação. O país se endividou a juros flutuantes e as taxas explodiram. No final, o Brasil tinha US$ 150 bilhões de dívidas e US$ 11 bilhões de reservas cambiais, uma parte sem liquidez. O país quebrou. Durante anos o Brasil viveu o vexame de redigir cartas de compromissos com o Fundo Monetário Internacional para não cumpri-las. O lema no governo era que dívida não se paga; administra-se. Ela ficou impagável. E assim acabou o governo militar, deixando, para os que organizariam o país, o trabalho de renegociar a dívida. Houve várias tentativas. Um dos que lutaram por uma proposta de solução foi o embaixador Jório Dauster, mas foi Pedro Malan quem conduziu a negociação que acabou trocando essa dívida velha por novos títulos.
Os militares, que impuseram o terror em nome da ordem, deixaram uma desordem fiscal. O orçamento que passava pelo Congresso era limitado. O importante era o orçamento monetário, que não tinha qualquer transparência. Um cordão umbilical ligava o Banco do Brasil ao Banco Central, permitindo a uma instituição, com acionistas privados, sacar o montante que quisesse da autoridade monetária. Os bancos estaduais eram praticamente emissores de moeda. Não havia Secretaria do Tesouro. A democracia precisou trabalhar muito para organizar essa bagunça e chegar à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Bancos públicos financiavam os grandes empresários com farto dinheiro subsidiado na política de campeões nacionais. Soa familiar? Sim, o atual governo recriou essa política e alguns economistas próximos ao grupo no poder ainda dizem que a ditadura foi boa na economia.
É fundamental aprender com a História para não repetir seus erros. A maior lição é que não há justificativa econômica para uma ditadura.