Segundo ele, são “duas regras: quem ganha [as eleições] leva. Quem leva, respeita as regras do jogo e os direitos dos outros”.
Questionado sobre a possibilidade da volta de uma tutela militar sobre o país, o magistrado afirmou: “Nós já percorremos todos os ciclos do atraso. E portanto eu acho que esse é um risco inexistente”.
Na conversa, em seu gabinete no STF, ele afirmou ainda que o
impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, “não fez bem ao Brasil” por ter criado ressentimento e polarização, situações que as eleições, afirma, serão “capazes de cicatrizar”.
Quando a Constituição brasileira completou dez anos, o senhor celebrou as liberdades partidária, de imprensa, eleições livres e uma sociedade politicamente reconciliada. Quando ela fez 20 anos, ressaltou um Estado democrático estável. É possível repetir essas afirmações hoje? Eu tenho um olhar positivo e construtivo de uma maneira geral. Portanto eu acho que, nesses 30 anos da Constituição, há conquistas relevantes a serem celebradas: a estabilidade institucional e monetária e uma expressiva inclusão social.
Quais seriam? A corrupção que se verificou no Brasil não foi produto de falhas e fraquezas humanas.
Que gabinetes, ministro? (sorri e fica em silêncio)
O senhor não acha um risco o senhor falar de forma genérica? Tem gabinetes. [seguindo] Quando a Justiça desvia dos amigos do poder, ela legitima o discurso de que as punições são uma perseguição.
O senhor disse que a sociedade está mobilizada no combate à corrupção. Ao mesmo tempo, segundo as pesquisas, Lula, que está preso por corrupção, teria 53% dos votos caso pudesse concorrer. Parte da população parece que se lixou para o veredicto do Judiciário. Acho que a sociedade faz associações que nem sempre são lineares ou institucionais. Ela faz associações afetivas, de como estava a sua vida naquele momento [do governo Lula].
Não acha que é um sinal de descrédito do Judiciário? Eu não acho. Apenas significa que ele não é a única instituição relevante e que não lidera o processo político. Mas o papel do Judiciário é assegurar as regras do jogo democrático e proteger direitos fundamentais.
O senhor falou de outros pontos baixos nesses 30 anos. Quais seriam eles? Um sistema político que extrai o pior das pessoas.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff é definido por alguns setores como uma ruptura do pacto constitucional que prevaleceu desde 1988. Não concordo. A Constituição estabelece quem tem competência para decidir sobre isso [impedimento] e os quóruns praticados. Isso no geral foi observado. Eu não estou dizendo que eu acho que tenha sido bom [o impeachment] nem que eu tenha ficado feliz. Mas as regras foram seguidas.
E o senhor acha que ainda é possível falar em uma sociedade politicamente reconciliada, como fazia em 1998? O impeachment não fez bem ao Brasil. Criou um ressentimento e uma polarização que eu tenho a esperança que as eleições sejam capazes de cicatrizar. Houve também uma reversão de expectativas.
Em 2008, o senhor falava que uma das grandes conquistas da Constituição era o Estado constitucional democrático. Hoje, muita gente vê o risco de uma tutela militar sobre o país. Eu não vejo nenhum risco de volta de regime militar. Nós já percorremos todos os ciclos do atraso. E portanto eu acho que esse é um risco inexistente.
Por que o senhor acha necessário renovar isso, ministro? O senhor vê nuvens no horizonte? [sorri, e segue] A segunda regra: só é aceitável a maioria governar democraticamente. E, portanto, ela tem que respeitar as regras do jogo democrático e os direitos fundamentais de todos.
Mas, de novo: por que o senhor acha necessário renovar isso? Porque a democracia é uma árvore cujo cultivo deve ser permanente, e ela vive um certo desprestígio mundial. Há um livro famoso que se chama “Como as Democracias Morrem” [de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt]. No Brasil, com grande mérito, nós podemos escrever o livro “Como as Democracias Sobrevivem”.
O senhor disse “quem ganha leva”. Acha que existe algum risco de o PT ganhar e não levar? Do meu ponto de observação, não há risco. E, seja quem ganhe, eu estarei defendendo o direito de assumir e governar de acordo com o seu programa de governo, respeitadas as regras da democracia e os direitos dos outros.
O senhor falou também de respeitar direitos. O candidato Jair Bolsonaro (PSL-RJ) já fez declarações polêmicas sobre quilombolas e mulheres. O senhor vê risco de um projeto como o dele sair vencedor e não respeitar esses direitos? Eu não comento candidaturas.
Estamos celebrando 30 anos da Constituição como documento normativo da sociedade brasileira. Mas muitos especialistas dizem que o STF, nos últimos anos, está reescrevendo a Constituição. Isso é uma fantasia. Não acontece. O que você tem é um Supremo que se tornou mais pró-ativo na defesa dos direitos fundamentais —das mulheres, dos gays, dos negros, da liberdade de expressão. A interpretação constitucional não é um fenômeno datado. A história é um fluxo contínuo. E, do modo como eu penso a vida, é um fluxo na direção do bem.
O senhor costuma dizer que é preciso interpretar a Constituição de acordo com os valores da dignidade humana. No futuro, novas pessoas poderão integrar o STF com conceitos diferentes do que ela significa. A Constituição é iluminista. E ela deve ser interpretada de acordo com os valores que ela abriga. Se a lei disser que pessoas negras não têm acesso à universidade, ela deve prevalecer? A lei tem como limite a constituição.Por isso eu me referi ao Iluminismo. Se fizer uma pesquisa, um percentual elevado responderá que o homem pode bater na mulher se ela for dele, que o homossexual tem que apanhar. As paixões majoritárias têm que ser filtradas pela razão humanista da Constituição.
Luís Roberto Barroso, 60 Nascido em Vassouras (RJ), o ministro se formou, fez doutorado e deu aulas na UERJ. Além de atuar na advocacia privada, foi procurador do estado e assessor jurídico na Secretaria de Justiça do Rio. É autor de livros de direito constitucional. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2013, ocupando a vaga de Carlos Ayres Britto.