Nosso Rochefoucauld
Dos nossos arquivos …
Nelson Rodrigues foi o maior frasista brasileiro, o nosso Rochefoucauld. Com a contribuição milionária de Erika Nakanura, o DCM selecionou 100 máximas que provam isso.
A adúltera é a mais pura porque está salva do desejo que apodrecia nela.
A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual.
A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível.
A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
A liberdade é mais importante do que o pão.
A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.
A pior forma de solidão é a companhia de um paulista.
A platéia só é respeitosa quando não está a entender nada.
A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira.
A televisão matou a janela.
A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos.
Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.
Amar é dar razão a quem não tem.
Amar é ser fiel a quem nos trai.
Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.
As grandes convivências estão a um milímetro do tédio.
Com sorte vc atravessa o mundo, sem sorte vc não atravessa a rua.
Começava a ter medo dos outros. Aprendia que a nossa solidão nasce da convivência humana.
Copacabana vive, por semana, sete domingos.
D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva.
Desconfie da esposa amável, da esposa cordial, gentil. A virtude é triste, azeda e neurastênica.
Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.
Deus está nas coincidências.
Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro.
É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.
É preciso trair para não ser traído.
Em muitos casos, a raiva contra o subdesenvolvimento é profissional. Uns morrem de fome, outros vivem dela, com generosa abundância.
Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o psicanalista.
Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral.
Existem situações em que até os idiotas perdem a modéstia.
Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista.
Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.
Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário.
Invejo a burrice, porque é eterna.
Jovens: envelheçam rapidamente!.
Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos…
Na mulher, certas idades constituem, digamos assim, um afrodisíaco eficacíssimo. Por exemplo:- 14 anos!
Nada nos humilha mais do que a coragem alheia.
Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera.
Não admito censura nem de Jesus Cristo.
Não damos importância ao beijo na boca. E, no entanto, o verdadeiro defloramento é o primeiro beijo na boca. A verdadeira posse é o beijo na boca, e repito: – é o beijo na boca que faz do casal o ser único, definitivo. Tudo mais é tão secundário, tão frágil, tão irreal.
Não existe família sem adúltera.
Não há nada que fazer pelo ser humano:o homem já fracassou.
Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.
Nem toda mulher gosta de apanhar. Só as normais.
Nossa ficção é cega para o cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.
Num casamento, o importante não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos da própria mãe.
Nunca a mulher foi menos amada do que em nossos dias.
O adulto não existe. O homem é um menino perene.
O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos.
O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
O asmático é o único que não trai.
O biquíni é uma nudez pior do que a nudez.
O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.
O Brasil é muito impopular no Brasil.
O brasileiro é um feriado.
O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.
O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: – dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses.
O casamento é o máximo da solidão com a mínima privacidade.
O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota.
O homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual.
O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.
O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da imaturidade.
O morto esquecido é o único que repousa em paz.
O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca.
O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.
O ônibus apinhado é o túmulo do pudor.
O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes.
O puro é capaz de abjeções inesperadas e totais e o obsceno, de incoerências deslumbrantes. Somos aquela pureza e somos aquela miséria. Ora aparecemos varados de luz, como um santo de vitral, ora surgimos como faunos de tapete.
O sábado é uma ilusão.
O Ser Humano, tal como imaginamos, não existe.
Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas.
Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.
Perfeição é coisa de menininha tocadora de piano.
Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos.
Quem nunca desejou morrer com o ser amado nunca amou, nem sabe o que é amar.
Se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo brasileiro.
Se os fatos são contra mim, pior para os fatos.
Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.
Sem paixão não dá nem para chupar picolé.
Sexta feira é o dia em que a virtude prevarica.
Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.
Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.
Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.
Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo podia-se andar nu.
Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta.
Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos.
Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.
Toda coerência é, no mínimo, suspeita.
Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.
Toda mulher bonita tem um pouco de namorada lésbica em si mesmo.
Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.
Toda unanimidade é burra.
Todas as mulheres deviam ter catorze anos.
Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.
Todo desejo é vil.
Todo tímido é candidato a um crime sexual.
Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.
100.Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário