Faz tempo que leio apenas literatura supostamente alta e filosofia supostamente ainda mais alta. Mas houve um momento, e não foi curto, em que devorei autores eróticos. Depois de fazer sexo, ler sexo é uma das melhores diversões que existem. Compartilho aqui o melhor de minhas leituras, na forma de uma lista de dez clássicos libertinos. É uma lista pessoal, idiossincrática – mas transferível.
10. A História de O
O décimo na lista é um clássico da submissão, A História de O. Tinha que ser francês. Ninguém supera os franceses em preguiça, arrogância e sabedoria na arte do sexo.
O livro, de 1954, é de Pauline Réage. É um nome falso, dado o conteúdo chocante. Pouco antes da morte da autora, soube-se que se tratava, na verdade, de Anne Desclos. O romance foi transformado num filme igualmente bom, protagonizado pela belle Corinne Cléry.
Nada é mais erótico do que a submissão, como sabemos todos nós que mesmo não sendo franceses não somos bobos. O, fotógrafa de moda parisiense, aceita participar de uma sociedade secreta na qual as mulheres estão à completa disposição dos homens. Alguns detalhes são notáveis. As mulheres jamais vestem calcinha e devem ficar, todo o tempo, com as pernas levemente abertas.
O, como suas companheiras, ao dar tudo recebe tudo. Esta a lógica da submissão, que se expressa sublimemente no momento em que ela oferece a carne jovem para que seja marcada como gado a ferro quente pelo seu proprietário. A dor é a grande parceira da submissão nos jogos eróticos.
É um livro que não pode faltar em qualquer biblioteca erótica decente.
9. Engraçadinha
Nélson Rodrigues foi melhor que o Brasil. Se tivesse escrito em inglês e nascido nos Estados Unidos, seria hoje um escritor da estatura de Hemingway.
E mais versátil: o melhor dele está nas peças, absurdamente inovadoras e bem escritas, mas também no conto, no romance, nas crônicas de fatos diversos NR apresentou um nível irritantemente elevado.
Ele escreveu folhetins com os companheiros de redação olhando pelas costas onde iam dar as tramas. Para coisas que achava pouco sérias, usava o pseudônimo retumbante de Suzana Flag.
Engraçadinha, ou Asfalto Selvagem, é dos anos 40. É tão provocativo que, se um jihadista ler, pode decidir não mais explodir com uma bomba e sim aproveitar as delícias terrenas proporcionadas pelas mulheres.
Ela é uma jovem suburbana carioca que enlouquece sexualmente todo mundo, inclusive uma prima. Sua beleza e libido são do tamanho do Redentor. Engraçadinha tem depois uma filha que é sua continuação, na vertigem sexual, Silene.
As aventuras de Engraçadinha, Letícia, Silene e tanta gente são valorizadas pela prosa soberba de Nélson Rodrigues, um dos meus queridos entre os queridos, um gênio, um talento para juntar palavras só comparável, em língua portuguesa, a Machado de Assis.
8. O Crime do Padre Amaro
Você pode bem imaginar qual é o crime do padre Amaro.
Ele conquista o coração e a carne tenra de uma rapariga linda e pura, Amélia. Com seu realismo e brutal anticlericalismo, Eça de Queiroz faz de O Crime do Padre Amaro um romance de elevado teor sexual. A conquista de Amélia pelo predador sexual de batina é lenta, gradual e segura. O leitor como que assiste do camarote.
Eça é um escritor que tem que ser lido. Seu manejo do português é soberbo. Ele tem a mesma estatura de gigantes como Balzac, Zola, Dostoieski e Machado de Assis. Dominou como poucos a arte de escrever romances. Você conhece a história de Portugal na segunda metade do século 19 pelas páginas de Eça.
O sexo, em Machado de Assis, era sutil. Você sequer tem certeza de que Capitu traiu o marido Bentinho porque fica no ar a possibilidade de um ciúme doentio do narrador, o próprio Bentinho. Em Eça não. O sexo é como ele é na vida real — uma força da natureza.
7. Decameron
A Idade Média, pelo menos na Itália, era bem menos casta e religiosa do que você pode imaginar se olhar muito para aqueles afrescos cristãos.
Copulava-se, e como, ali. Os homens viviam pouco, e então tratavam de semear as mulheres para garantir a sobrevivência de seus genes. As mulheres não pareciam se queixar.
É o que você percebe ao ler Decameron, de Boccaccio, um livro que traz uma série de histórias entremeadas por um único fator: o sexo despudorado e quase sempre cômico.
Os conventos foram um lugar sob medida para Boccaccio – a imaginação masculina vibra sempre que um grupo de mulheres se enclausura, coloca uniforme e reza.
Decameron virou um filme cultuado de Pier Paolo Pasolini. Os mais curiosos devem ler o livro primeiro e ver o filme depois. Os preguiçosos podem ver apenas a fita.
6. Desidéria
Desidéria, de Alberto Moravia, o grande romancista italiano, já se anuncia no nome da personagem principal e no título do livro.
Desidéria vem de desejo. Desejo sexual, naturalmente. Ninguém está falando aqui de chocolates.
Filha de uma prostituta, Desidéria é adotada por uma mulher sexualmente voraz. Ela própria também não é nada fraca nesta área, e em certo momento a mãe adotiva cobiça sua carne magnética. A narração é engenhosa. É feita na forma de entrevista. O narrador — “eu”, como ele se identifica — faz perguntas a Desidéria. Como é clássico em Moravia, a história é passada em Roma. O romance foi transformado num filme cultuado pelos amantes da arte erótica. Desidéria foi interpretada por Lara Wendel, em 1980. Nestes dias, Lara era capaz de convencer o papa a rezar o Alcorão.
Minha recomendação à comunidade é ir à melhor livraria e comprar não apenas Desidéria, mas tudo que encontrarem de Moravia.
5. Elogio da Madrasta
Vargas Llosa tem uma obra grande em quantidade e qualidade. É uma vergonha para os escritores brasileiros que tenha sido ele, um peruano, quem percebeu a grandeza dos Sertões, de Euclides da Cunha, e a oportunidade de romancear Canudos, o que ele fez com A Guerra do Fim do Mundo.
Bem, também na literatura erótica Vargas Llosa se impôs. Ele é especialista em Schiele, o esplêndido pintor austríaco que deu às mulheres de seus quadros um ar de entrega sexual absoluta e arrebatador. Schiele faz parte do enredo de Elogio da Madrasta, um romance de Llosa que trata da iniciação amorosa de um garoto com a mulher de seu pai.
Há aí também um tributo de Llosa a seu romance predileto, A Educação Sentimental, de Flaubert. Llosa levou, em Elogio da Madrasta, a educação sentimental de um jovem a níveis de completa carnalidade. Se a obra de Flaubert comove, a de Llosa excita.
4. Anti-Justine
Sade associou o prazer sexual à dor. Seu arqui-rival Restif de la Bretonne (1734-1806) fez o oposto. Sexo, para ele, estava vinculado à alegria de viver. Anti-Justine, uma de suas obras capitais, é uma resposta a Justine, de Sade. Os dois livros figuram entre o que de melhor se produziu na mais atrevida literatura libertina da história – a que se fez na França no século 18.
Em Anti-Justine, o narrador conta suas aventuras sexuais, que começam quando muitos homens ainda acreditam pelo menos parcialmente em Papai Noel. Como o futuro Luís 15, o herói tem fixação por pés femininos, e são os de uma irmã sua que primeiro despertam seu interesse sexual. Os críticos e os leitores de Bretonne acabariam com uma dúvida que jamais se dissiparia: ele quis se opor a Sade mostrando, como o narrador afirma, que o sexo é puro prazer ou, na verdade, decidiu fazer um romance ainda mais pornográfico do que Justine?
Qualquer que seja a resposta, Anti-Justine se impõe como obrigatório em qualquer bibliografia libertina.
3. O Sofá
Como era boa a literatura libertina francesa do século 18, quando os ventos da mudança radical varriam a França. O Sofá, de Crébillon, é um clássico erótico. Como muitos romances do gênero, a inspiração – improvável quando se pensa no mundo em que vivemos – é o Oriente misterioso e sensual dos maometanos, tão bem registrados nas 1001 Noites e hoje símbolo do conservadorismo sexual.
Um homem que em outra vida foi sofá – ah, o humor e a imaginação dos franceses – narra a um rei o que testemunhou. Não foi pouca coisa. Crébillon toca na hipocrisia. O sofá diz que viu muita gente tomada pelo vício se empenhar não em mitigá-lo e sim em escondê-lo. O livro, como tantos outros da mesma família, foi publicado anonimamente. Os franceses inventaram a arte de fazer amor e também a arte de escrever sobre fazer o amor. Uma prosa charmosa, jamais vulgar, inteligente e sacana. Voilá.
2. Jóias Indiscretas
Diderot, o enciclopedista francês, tinha um problema quando era bem jovem ainda: a amante exigira 50 luíses de ouro para não abandoná-lo. A solução que ele encontrou foi escrever, às pressas, um romance libertino, como era moda na França de seus dias, segunda metade do século 19. Em quinze dias ele escreveu um romance do jeito que os leitores apreciavam. Levou-o a um editor, que lhe deu as moedas. “Então as atirei na saia da minha amada”, lembraria Diderot.
O romance é Jóias Indiscretas. A inspiração veio de O Sofá, de Crébillon, que figura nesta lista. Em vez de um sofá que observa as farras sexuais das pessoas, são jóias. Mais uma vez, a história é passada num lugar que excitava os franceses pela sofisticação erótica apurada ao longo de séculos: a Arábia das Mil e uma Noites. As Jóias Indiscretas, fora seu valor erótico, é uma lembrança pungente do que não é capaz de fazer um homem quando uma amante fogosa ameaça abandoná-lo.
1) Relações Perigosas
Este é o supremo da sutileza erótica. Laclos escreveu um tipo de livro que fazia sucesso na França pré-revolucionária: um romance epistolar. Toda a trama – em que há sexo, sedução, cinismo e elegância, tudo misturado — gira em torno de cartas. O ócio esplêndido em que vivia a aristocracia francesa era em grande parte preenchido, como se pode ver em Relações Perigosas, pela prática de algo em que os plebeus e as plebéias atraentes estavam enfim incluídos – cópulas, cópulas e ainda cópulas. A versão cinematográfica em que John Malkovich brilha como o canalha sedutor e manipulador Valmont está quase à altura do romance de Laclos. Ele queria escrever um romance que fugisse do comum e sobrevivesse à sua morte. O objetivo foi gloriosamente alcançado.
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