Devin P. Kelley, autor do pior ataque armado em massa da história moderna do Texas (EUA), ficou um ano em uma prisão militar por agredir a esposa e o filho em 2012. De acordo com as autoridades, seu ataque em 5 de novembro à Primeira Igreja Batista de Sutherland Springs estava relacionado a uma “situação doméstica” com sua sogra. Ela frequentava a igreja, mas não estava lá quando Kelley abriu fogo, matando 26 pessoas.
O histórico de violência doméstica é uma característica comum no passado de muitos atiradores responsáveis por ataques em massa nos EUA. Muitas vezes, seus cônjuges e outros familiares estão entre as vítimas.
“É mais comum do que as pessoas pensam ataques armados que são desdobramentos da violência doméstica”, disse Garen Wintemute, que lidera o Programa de Pesquisa de Prevenção da Violência na Universidade da Califórnia (Davis), para o BuzzFeed News por e-mail.
Além disso, mulheres que já foram atacadas por seus parceiros correm mais risco de serem assassinadas se houver armas de fogo em casa. No entanto, cada Estado americano tem leis diferentes quanto à posse de armas para agressores domésticos, e os pesquisadores ainda não sabem se esses homens estão mais propensos a cometer homicídios por armas de fogo em geral.
Os ataques armados em massa que ganham mais atenção são os que ocorrem em lugares públicos, acabando com a vida de vítimas aparentemente aleatórias. Mas um relatório 2015do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA, que abrange incidentes de 1990 a 2013 em que quatro ou mais pessoas foram mortas, descobriu que os “familicídios”, envolvendo assassinatos de ex-parceiros ou familiares, eram os mais frequentes e responsáveis pelo maior número de mortes.
O segundo tipo mais comum foram os “outros delitos” envolvendo ataques armados, relacionados a atividades criminosas ou discussões fora da família.
Os ataques armados em massa em lugares públicos como escolas, restaurantes ou igrejas eram mais raros. E o Serviço de Pesquisa do Congresso descobriu que cerca de um quinto desses ataques possivelmente foram desencadeados por uma briga doméstica, mesmo que todas as vítimas, ou a maioria delas, fossem pessoas sem parentesco com o atirador.
Os atiradores em massa muitas vezes se matam, e aqueles cujas vítimas incluem seus parceiros parecem estar no extremo de uma tendência letal. Em um artigo apresentado em 2 de novembro em uma conferência da Associação de Políticas e Gestão Públicas em Chicago, Sierra Smucker e Philip Cook, da Universidade Duke, estudaram mais de 800 assassinatos de parceiros íntimos ao longo de uma década no Estado da Carolina do Norte. Um quarto dos agressores se suicidou, e mais da metade deles matou pelo menos mais uma vítima, além de seu parceiro ou parceira. Apenas 3% dos agressores que não cometeram suicídio fizeram várias vítimas.
De acordo com uma lei federal americana de 1996 chamada Emenda Lautenberg, qualquer pessoa condenada por violência doméstica deve ser impedida de possuir armas. Mas há brechas que, de acordo com o site The Trace, incluem o fato de que o sistema de Justiça Militar não possui uma acusação específica para violência doméstica. Isso significa que condenados por agressão doméstica, como Kelley, podem não ser identificados no Sistema Nacional de Verificação Instantânea de Antecedentes Criminais do FBI. Oficiais da Força Aérea confirmaram que a condenação de Kelley não foi inserida no banco de dados do FBI.
A lei federal americana também proíbe a posse de armas para alguns homens que estão sob medidas cautelares contra violência doméstica. Mas o agressor deve ter sido capaz de defender seu caso em uma audiência, e a proibição de armas se limita a medidas que protegem os parceiros íntimos dos agressores e seus próprios filhos ou os de seus parceiros.
As leis estaduais variam, e algumas impõem restrições bem mais rigorosas. Na Califórnia, por exemplo, medidas cautelares temporárias ou de emergência, emitidas sem audiência, são suficientes para proibir a posse de armas. Essas medidas podem proteger qualquer membro da família, tenham ou não tenham morado com o agressor.
Leis como essas foram implementadas para proteger as mulheres, que correm maior risco de violência doméstica. Em 2003, pesquisadores liderados por Jacquelyn Campbell, da Escola de Enfermagem da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, descobriram que mulheres em relacionamentos abusivos tinham cinco vezes mais chances de serem mortas por seu parceiro se ele possuísse uma arma.
Em seu estudo mais recente de mulheres assassinadas por homens, divulgado em setembro, o Centro de Políticas contra a Violência em Washington D.C. descobriu que pelo menos 55% das vítimas em 2015 foram baleadas. Dessas vítimas, 64% foram mortas por seus parceiros íntimos.
As leis destinadas a tirar as armas das mãos dos agressores domésticos parecem salvar a vida das mulheres. Em uma análise de estudos anteriores feita em 2016, pesquisadores liderados por April Zeoli, da Universidade Estadual de Michigan, em East Lansing, concluíram que as proibições de posse de armas impostas com medidas cautelares contra violência doméstica reduziram os homicídios de parceiros íntimos em 8% a 19%.
O grande número de ataques armados em massa relacionados à violência doméstica e familiar também levanta a questão se os homens que agridem suas parceiras estão mais propensos a atacar pessoas que não sejam seus parentes. No entanto, especialistas contatados pelo BuzzFeed News não conheciam estudos que investigassem essa questão. “Com toda a certeza, parece uma questão em aberto”, disse Smucker, da Universidade Duke.
Isso porque existe uma suposição errônea de que os agressores domésticos são criminosos “especializados” que tendem a restringir seus ataques violentos aos seus parceiros, disse Zeoli. “A pesquisa sugere que esse não é o caso”, afirmou.
Em um estudo publicado no ano passado, por exemplo, Leana Bouffard e Sara Zedaker, da Universidade Estadual de Sam Houston, em Huntsville, Texas, descobriram que quase um terço dos 730 réus em casos de violência doméstica tinham sido presos anteriormente por outras formas de crimes violentos.
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