domingo, 28 de abril de 2013



Daiane deu azar ao nascer no Brasil

PAULO NOGUEIRA 28 DE ABRIL DE 2013 2
Se tivesse nascido na Escandinávia, estaria andando agora de bicicleta.
A vida seria outra para ela se tivesse nascido na Dinamarca
A vida seria outra para ela se tivesse nascido na Dinamarca
Outro dia escrevi sobre a notável tese do filósofo americano John Rawls (1921-2002) sobre o que é uma sociedade justa.
A idéia central de Rawls, expressa no livro “A Teoria da Justiça”, de 1971,  era a seguinte: uma sociedade justa é aquela na qual, por conhecê-la e confiar nela, você aceitaria ser colocado nela de maneira randômica, aleatória.
Você estaria coberto pelo que Rawls chamou de “véu de ignorância” em relação à posição que lhe dariam, mas isso não seria um problema, uma vez que a sociedade é justa.
Isso vale para um país, e também para o mundo.
Imagine que você nasça em Angola: sua expectativa de vida vai ser inferior a 40 anos, e sabemos em que condições. Mas se você nascer na Dinamarca, você vai poder pedalar com saúde depois de passar dos 80.
Pensei nisso ao ler a história de Daiane Rodrigues, a linda garota de 23 anos que foi o pivô de um história que parece saída das páginas de “A Vida Como Ela É”, de Nelson Rodrigues.
Daiane, para usar a lógica de Rawls, foi essencialmente uma azarada. Nasceu no lugar errado: o Brasil que ainda tão, tão desigual, mesmo com os avanços feitos nos últimos anos.
Uma rápida digressão.
Num levantamento da ONU publicado esta semana, soubemos que somos o quarto país mais desigual na região mais desigual do mundo, a América Latina.
Espero que nos encontros que o PT tem feito para avaliar seus dez anos de poder emerja o consenso de que é imprescindível acelerar, e muito, o combate à iniquidade.
Os privilegiados rugirão, por seus porta-vozes da mídia, mas para não se transformar num PSDB o PT vai ter que fazer mais.
E enquanto isso acontecer fabricaremos Daianes.
Daiane, se tivesse nascido na Escandinávia, terra dos sonhos do Diário, passaria este domingo de primavera europeia provavelmente num parque, ouvindo e contando piadas com amigos como é tão típico para quem mal saiu da adolescência.
Mas não.
Tem sete tiros na perna, disparados por ciúme porque ela acabou no meio de dois homens: um jogador de futebol contundido e um traficante em plena ação.
Mesmo tão nova, Daiane já tem um filho de seis anos. E tem sido apresentada pela mídia como a “primeira mulher” do traficante, como se ele fosse Luís 14 com seu séquito de amantes numeradas.
Me chamou a atenção uma curiosidade: a mulher (oficial) do goleiro Bruno do caso Eliza Salmudio se chama, também ela, Daiane Rodrigues.  (A inspiração veio da princesa Diana, que vivia seus dias de glória quando ambas nasceram)
Por nascer no Rio, e não em Copenhague, Daiane não teve chance de crescer numa casa com água encanada e sistema de esgoto, de frequentar boas escolas, de ler bons livros,  de ter a vida de uma menina em vez ser escrava sexual  aos 13 ou 16 — de ter acesso, enfim, a todas aquelas coisas que o Brasil deveria oferecer a seus filhos mas não oferece.
Daiane nasceu no país errado, segundo a teoria randômica de Rawls.
Deu azar. 

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