Com o título “Não é apenas sobre 94 árvores”, eis artigo do publicitário e poeta Ricardo Alcântara. El aborda a polêmica em torno da obra de construção dos dois viadutos em trecho do Parque do Cocó. Confira:
Na gíria hospitalar, chama-se “visita da saúde” à súbita melhora do paciente nos momentos que precedem sua morte. Foi assim também, a visita do Governador aos jovens acampados no Parque do Cocó: o dissimulado prenúncio da pior notícia.
Cid Gomes foi até lá para sugerir, à pretendida desocupação, uma contrapartida já decidida, a legalização do parque, ali oferecida com a argumentação viciada de um aprendiz de feiticeiro: daria ao movimento o benefício de uma versão vitoriosa.
Desde então, os militantes lá não dormiram duas noites até que foram despejados em horário impróprio, com truculência e confisco de bens, por ordem do prefeito, antes atropelado em sua autoridade pela visita extemporânea do governador.
O enredo já diz tudo sobre a pele de quem é preciso salvar: benevolente, o príncipe vai lá e oferece um troféu de copa vencida e os acampados, como previsto, rejeitam o mimo, sobrando para o prefeito o serviço pesado de expulsar os caras no pau.
Mas essa aí foi apenas uma entre as centenas de parcelas devidas pelo prefeito ao governador pelo investimento financeiro sideral que este empreendeu para fazê-lo vencedor contra o candidato de uma prefeita com popularidade em baixa.
Não há zelo algum em dissimular o papel coadjuvante que o prefeito eleito exerce no comando da sua cidade: esse toco aí já foi cortado para servir de lenha mesmo. No caso, Roberto Cláudio, um tipo loquaz, reprime o estilo e se recolhe em silencio.
O modelo é antigo: apontado como provável candidato de Cid à sua sucessão, agia do mesmo modo o atual ministro Leônidas Cristino quando a ele sucedeu na gestão de Sobral: evitava as ruas e a perigosa personificação de seus próprios méritos.
Cid Gomes declarou à imprensa que a população não dá a mínima para “aqueles malucos”. Coincidência: foi assim mesmo que um colega seu, governador carioca, reagiu no início, antes de ver sua residência cercada por milhares de pessoas.
Contestado como alternativa ao problema que pretende resolver, o viaduto agrega já um custo político adicional. Pois cuide o prefeito de outra obra: construir diálogo com a sua cidade com a legitimidade que o voto não apenas concede, mas obriga.
Outro que não entendeu nada foi o presidente municipal do PT, Raimundo Ângelo, cuja nota de solidariedade aos acampados do Ocupa Cocó reincide na postura mais rejeitada pelo sentimento das recentes manifestações de rua: a hipocrisia política.
O projeto que o atual prefeito pretende executar em nada difere do que já estava aprovado pela gestão anterior de sua companheira Luizianne Lins. Caso eleito, o petista Elmano de Freitas estaria comprometido com o mesmo equívoco.
Soa espalhafatosa também a cobrança de um maior debate sobre o projeto com a sociedade. É lamentável que se faça necessário lembrar ao dirigente petista a evidência de que a gestão dos seus não houvera antes adotado este procedimento.
A truculência que agora ele denuncia não difere do modo como o movimento social foi tratado por aliados de seu partido em episódios recentes sem que tenham recebido, as arbitrariedades, tão veemente contestação pública de seus dirigentes.
O que Raimundo Ângelo não compreendeu: a governança concessiva e fisiológica do PT desautoriza a retomada nostálgica de uma postura intransigente. Baixa a bola, companheiro: o velho estilo se encontra com prazo de validade vencido.
O oportunismo da nota caiu no vazio porque é uma recaída tardia e desassistida de coerência. Fui duro? Se quiserem testar a hipótese, é coisa simples: basta estender uma bandeira do PT na grade do parque do Cocó e esperar as reações. Topam?
* Ricardo Alcântara,
Publicitário e poeta.
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