O revolucionário que iluminou a vida das mulheres
Postado em 12 jun 2015
A inspiradora e comovente história de Harry Selfridge, o ‘Duque da Oxford Street’, o homem que inventou o moderno comércio.
A série The Paradise, da BBC, ganhou um rival de peso. Isto é, há outro drama de época que se passa em uma loja de departamento: Mr. Selfridge.
Seu tema é a vida turbulenta e pitoresca do genial empreendedor americano que fundou sua loja em 1909, e sua base é o livro Shopping, Seduction & Mr. Selfridge (Compras, Sedução e Mr. Selfridge), de Lindy Woodhead.
Neste texto, publicado originalmente no Daily Mail, Lindy Woodhead faz um breve relato da história do homem extraordinário que revolucionou a arte do comércio.
Harry Selfridge era único. Com seu bigode encerado e seu senso de estilo delicado e fastidioso, ele era o símbolo da tradição ao mesmo tempo em que deu poder às mulheres ao oferecer-lhes uma experiência de compras totalmente nova. Era um marido dedicado e adorava a esposa, apesar de tê-la traído com uma sucessão de estrelas, incluindo as dançarinas Isadora Duncan e Anna Pavlova.
Um verdadeiro visionário, Harry foi maravilhosamente rico e morreu na miséria. Foi, certa vez, confundido com um indigente quando observava, na Oxford Street, a vitrine do vasto estabelecimento que havia sido sua vida.
Foi uma longa jornada desde sua infância humilde em Ripon, Wisconsin, um vilarejo remoto onde nasceu em 1858. Três anos depois de seu nascimento, seu pai, o comerciante Robert, foi lutar na Guerra Civil. Ele sobreviveu à guerra, mas nunca voltou para casa, abandonando sua esposa Lois e seus três filhos. Lois, com seu pequeno salário de professora, criou as crianças. Quando Charles e Robert morreram, ela focou todo o seu amor em Harry.
Ela ensinou ao filho a importância das boas maneiras e de cuidar da aparência. Mãe e filho viveram juntos até a morte dela, em 1924. Foi graças a Lois Selfridge que Harry entendeu, como poucos homens, as necessidades femininas.
Harry deixou o colégio aos quatorze anos para trabalhar em um banco e, quando fez dezoito anos, arrumou um emprego numa loja de departamento de Chicago, Marshall Field & Co. Quatro anos depois, estava auxiliando o gerente. Mais três anos se passaram e ele havia assumido tal posto.
A Marshall Field & Co era a loja mais prestigiosa de Chicago, mas era formal demais para Harry. Ele foi apelidado de “Harry Milha-por-Minuto” conforme continuava inovando. Os grandes avanços na tecnologia o ajudaram. Ele instalou dúzias de telefones; aumentou as luzes e até mesmo iluminou as belas vitrines durante a noite – uma inovação para as lojas de Chicago.
Graças a Harry, a Field’s ofereceu aulas de arranjo floral, deu conselhos relativos à decoração de interior, introduziu a ideia para a lista de presentes de casamento e organizou um depositário para embrulhos e casacos, onde os clientes poderiam deixar seus pertences antes de se dedicar às compras.
Ele também criou, possivelmente, o primeiro restaurante dentro de uma loja de departamento nos Estados Unidos. Aberto em 1890, o Field’s Tea Room servia um ‘almoço leve’ em mesas enfeitadas com linho e uma rosa recém colhida em um vaso de cristal. Apenas 60 pessoas comeram lá no primeiro dia. Um ano depois, porém, o belo restaurante atendia mais de 1.500 pessoas por dia.
Em 1904, ele montou uma loja rival em Chicago e a vendeu dois anos depois para lucrar rapidamente. Sua esposa, Rosalie, era filha de um investidor muito rico, e possibilitou a ele que se mudasse para Londres para planejar sua loja dos sonhos. Ela continuou nos Estados Unidos com seus quatro filhos.
Harry escolheu um local na Oxford Street e contratou Daniel Burnham, um consagrado arquiteto de Chicago, para projetar algo extraordinário. Mil e quinhentos operários labutaram durante todo o inverno para construir a imensa estrutura de aço: uma fachada neoclássica era exibida diante de uma obra magistral e moderna que possuía sete milhas de tubo de cobre pressurizado apenas em seu sistema de alarme contra incêndios.
Era uma maravilha: nove elevadores Otis; extintores de incêndio e borrifadores; piso de concreto abrangendo um acre por nível. Não possuía os oito andares que Harry desejava (havia uma lei que não permitia que nenhum edifício fosse mais alto do que a catedral de St. Paul’s) mas, além de um porão com três níveis e um terraço com um lindo jardim no teto, a Selfridge’s tinha cinco andares imensos.
A loja, que recebeu o nome de Selfridge & Co, foi inaugurada em 1909, em um dia chuvoso de março; mas, em seu interior, era quente e brilhante. Logo no primeiro dia, mais de 100 departamentos venderam tudo, desde roupas de banho até pele de zibelina, todos os produtos primorosamente organizados no ambiente espaçoso.
Harry ajudou a emancipação das mulheres, e de modo considerável. Ele deu-lhes a liberdade de comprarem sozinhas, o prazer de almoçarem com uma amiga em um refúgio confortável de uma loja e raras e sensuais delícias e comodidades, com música tocando e a leve fragrância de perfume no ar. Além de restaurantes muito elegantes, a Selfridge & Co possuía uma biblioteca, aposentos onde ler e escrever, um aposento de primeiros socorros e um local escondido com uma linda mobília e cabelereiros e manicures à disposição das clientes.
Harry gostava de dizer: “Eu auxiliei as mulheres em sua emancipação. Eu apareci quando elas queriam tornar-se independentes. Elas entravam na minha loja e realizavam alguns de seus sonhos.”
Homem ou mulher, o conforto do cliente era uma prioridade. Acreditando que as compras deveriam ser uma experiência visual e tátil – sem ninguém precisar de uma balconista para abrir o armário –, ele colocou as mercadorias em lugares onde as pessoas se sentiriam confortáveis para vê-las, tocá-las e senti-las.
O espírito da era estava a favor de Harry. Harry vendeu telefones, refrigeradores, máquinas de sorvete – e até mesmo aviões. Ele também foi o pioneiro em apresentar celebridades em sua loja e até mesmo em transformá-las em suas modelos: a campeã mundial Freda Whittaker patinou numa pista no terraço da loja, enquanto Suzanne Lenglen, campeã do Wimbledon, demonstrou sua habilidade em uma quadra de tênis também localizada no terraço. A televisão foi exibida ao público pela primeira vez na Selfridge’s em 1925, quando Logie Bard levou até a loja seu equipamento esquisito que mudaria nossas vidas nos anos que seguiram esse evento.
Mas a vida de Harry fora da loja era bem diferente. Um amigo disse: “Ele era um gênio das nove da manhã até as cinco da tarde, mas um tolo nos finais de semana.” Embora sua esposa tenha ido encontrá-lo em Londres, Harry gozava da companhia de algumas das mais renomadas beldades de sua época. Amante de celebridades, ele cortejou e conquistou a dançarina Isadora Duncan, a bailarina Anna Pavlova, a escritora Elinor Glyn, Syrie Wellcome – esposa do farmacêutico milionário Henry Wellcome – e Lady Victoria Sackville.
Desde 1912, seu grand amour – aparentemente tolerado pela paciente e dedicada Rose – foi a reluzentechanteuse Gaby Deslys. Ele a instalou em um apartamento em Londres e o encheu de tapetes, lençóis, pratarias, porcelanas e cristais vindos da Selfridge’s.
Graças ao sucesso comercial de sua loja, ele foi capaz de fazer de sua residência um verdadeiro palacete: ele alugou o luxuoso Castelo Highcliffe em Christchurch, Hampshire, como sua casa de campo e a estonteante Lansdowne House como sua casa na cidade.
Apesar de seus namoricos, Harry ficou devastado quando Rose morreu, afligida pela pandemia de gripe pós-guerra. Alguns anos depois, sua mãe também faleceu. Sem essas duas mulheres em sua vida, o amor desenfreado de Harry pelo jogo e pelas mulheres saiu do controle. Em 1921, quando ganhar £500 de salário por ano já era muito bom, ele perdeu mais de £5.000 em cassinos.
Agora, ele havia se voltado para uma nova geração de cantoras e dançarinas fáceis e solícitas, incluindo as Irmãs Dolly, Jenny e Rose, um par tóxico e manipulador que também nutria uma adoração por apostas. Os três faziam visitas frequentes aos cassinos em Nice. Dizem que as garotas gastaram pelo menos £5 milhões da fortuna de Harry.
Conforme o mundo entrou na Grande Depressão, Harry se encontrava lamentavelmente despreparado para a crise, consumido e isolado por sua própria vaidade. Em 1939, 30 anos depois de ter construído a Selfridge’s, revolucionado o comércio em Londres e inaugurado o que é atualmente a mais famosa rua para se fazer compras no mundo, a Oxford Street, Harry Selfridge foi expulso de sua própria loja.
O homem que chamavam de “Duque da Oxford Street” e que residia em palacetes luxuosos que satisfariam até mesmo um verdadeiro príncipe foi reduzido à miséria e passou o resto de seus dias vivendo em um apartamento pequeno e alugado em Putney com uma de suas filhas.
Em seus últimos anos de vida, ele caminhava todos os dias até seu ponto de ônibus em Putney High Street, procurando pelo ônibus número 22. Surdo e perdendo a lucidez, ele mal falava. Ainda usando roupas curiosamente formais e antiquadas, com suas botas de couro gastas, ele se movia com dificuldade, auxiliado por uma bengala Malacca. Ao subir no ônibus, ele contaria cuidadosamente seus trocados, compraria uma passagem para o Hyde Park Corner, onde desceria e esperaria por um ônibus número 137, e diria ao condutor: “Selfridge’s, por favor.”
Aparentemente submerso em memórias de sua glória passada e não reconhecido por ninguém, Harry Selfridge observava o imponente estabelecimento ao qual dedicara sua vida, olhando o terraço com nostalgia, como se estivesse procurando por alguma coisa. Em uma dessas ocasiões, foi preso pela polícia, que suspeitava que se tratasse de um indigente.
Harry morreu enquanto dormia, no dia 8 de maio de 1947. Ele tinha 89 anos. Foi enterrado em um túmulo simples ao lado de sua esposa e de sua mãe num cemitério em Highcliffe. Sua família não pôde pagar por uma lápide.
Mas seu legado continua até hoje. Harry declarou, certa vez: “Quando eu morrer, quero que digam que eu honrei e enobreci o comércio.” E a nova série da ITV, eu suponho, fará com que nos lembremos de como ele o fez.
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