quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Lista de Livros: Danúbio (Parte II), de Claudio Magris

Seleção de Doney
Editora: Companhia de bolso
ISBN: 978-85-3591-337-8
Tradução: Elena Grechi e Jussara de F. M. Ribeiro
Opinião: muito bom
Páginas: 448
      “As janelas dão para o Danúbio, abrem-se sobre o grande rio e sobre as colinas que o dominam, uma paisagem marcada pelos bosques e pelas cúpulas em formas de cebola das igrejas; no inverno, com o céu frio e as manchas de neve, as amáveis curvas das colinas e do rio parecem perder corpo e peso, tornam-se linhas leves de um desenho, uma elegante melancolia heráldica. Linz, a capital da Áustria Superior, era a cidade que Hitler amava mais que qualquer outra e queria transformar na mais monumental metrópole danubiana. Speer, o arquiteto do Terceiro Reich, descreveu aqueles projetos de edifícios gigantescos e faraônicos nunca realizados, nos quais Hitler, como escreveu Canetti, revelava sua febril necessidade de superar as dimensões já alcançadas anteriormente por outros artífices, sua obsessão agonística de bater todos os recordes.
     Nos sonhos do Führer, a ciclópica Linz que ele queria edificar deveria ter sido o refúgio da sua velhice, o lugar para onde ele sonhava retirar-se, depois de ter consolidado definitivamente o Reich milenar e tê-lo confiado a algum digno sucessor. Como muitos tiranos desapiedados, ele também, assassino de milhões e aspirante exterminador de povos inteiros, era um sentimental, que se comovia pensando em si mesmo e se embalava em fantasias idílicas. Em Linz, confiava de vez em quando a seus íntimos, teria vivido afastado do poder, quando muito disposto, como um benévolo avô, a dar conselhos aos herdeiros que viessem visitá-lo; mas talvez, dizia – coqueteando com a hipótese da própria destronação, bem decidido a não permiti-la nunca – ninguém viesse visitá-lo.
     Em Linz, onde havia passado anos serenos, o déspota sanguinário fantasiava reencontrar uma espécie de infância, uma estação livre de projetos e de metas. Provavelmente pensava com nostalgia naquele futuro vazio, no qual gozaria a segurança de quem já viveu, já combateu pelo domínio do mundo e já venceu, já realizou os próprios sonhos, que ninguém poderá mais frustrar. Quando imaginava aquele futuro, sentia-se talvez atormentado pela ansiosa angústia de alcançar logo seus objetivos e roído pelo temor de não conseguir alcançá-los. Desejava que o tempo passasse depressa para ter logo a certeza de ter vencido; desejava, em outras palavras, a morte, e em Linz planejava viver numa agradável segurança semelhante à morte, ao abrigo das surpresas e dos embates da vida.”
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