terça-feira, 24 de julho de 2018

Xadrez da lógica do PT com as eleições, por Luis Nassif
TER, 24/07/2018 - 18:49
ATUALIZADO EM 24/07/2018 - 19:33
Luis Nassif

Na terça-feira participei de uma reunião com estrategistas da Executiva do PT. O tema principal da conversa foi a decisão de manter a candidatura de Lula até o último momento.
No geral, concordam com todos os riscos apontados no artigo “Xadrez da maior aposta de Lula”. Mas levantam argumentos sólidos a favor da tese da candidatura de Lula. Em todo caso, o que se tem, na opinião abalizada de um dos presentes, é uma nova etapa, caótica e imprevisível como foram os anos 30 e 80, tornando impossível definir como será o novo.
Peça 1 – os ativos do PT
Os dois principais ativos do PT são:
Eleitoral: garante as eleições imediatas.
É o partido com maior número de eleitores e o candidato, Lula, favorito absoluto para as próximas eleições. Mas tanto o governo Dilma quanto o candidato Lula alvos do golpe do impeachment, tentando impedir sua candidatura. Atropelando a Constituição e as leis, o golpe tenta impor uma derrota eleitoral a Lula.
Político: garante a perenidade do partido.
No caso de Lula-PT, seu acervo político é o projeto de desenvolvimento social do partido, já testado e aprovado no período Lula, com defesa da produção nacional e da distribuição de parte dos benefícios do desenvolvimento. É o que legitima partidos, garantindo sua perenidade.
A intenção do golpe não foi apenas inviabilizar eleitoralmente o PT, mas matar politicamente Lula. É o que explica os abusos reiterados contra seus direitos, desde os factoides dos pedalinhos até a invasão da sua casa, revirando até sua cama, o grampo nos escritórios de advocacia que o defendem, a condução coercitiva e a sequência monumental de acusações repetidas por todos os meios de comunicação.
E, no entanto, o resultado final representou uma derrota política do golpe. O movimento tornou explícitas as jogadas políticas no Judiciário, Ministério Público, Executivo, Mídia, vitimizou Lula, gerou reações internacionais, aumentou sua popularidade e aprovação, conferindo-lhe uma vitória política expressiva. Prenderam o homem, nasceu a lenda.
A intenção da candidatura Lula, para o PT, é preservar esse ativo.
Peça 2– os problemas da frente ampla
Como partido nacional, o PT padece das mesmas dificuldades do federalismo brasileiro: como manter a unidade nacional e, ao mesmo tempo, atender às peculiaridades de cada estado e cada candidato ao governo, cada qual montando seu arco de alianças?
Há convicção na Executiva do PT que, se não fosse o movimento em torno de Lula, o partido teria se dividido em arquipélagos regionais. Portanto, o primeiro motivo da candidatura Lula foi manter o PT unido.
O segundo motivo – e mais relevante – é a preservação da vitória política. A história está repleta de precedentes de partidos que abdicaram da disputa política e não mais se recuperaram. É o caso do PC italiano e do próprio PCB brasileiro pós 64, que perdeu o protagonismo na esquerda, sendo substituído pelo próprio PT.
No entendimento dos estrategistas do PT, montar uma frente de esquerda e entregar a cabeça de chave a alguém de fora do partido seria jogar fora o protagonismo futuro do PT. Ou, na expressão de um dos estrategistas do PT,  “estariamos entregando de bandeja ao pacto autoritário a nossa visão de futuro. Assim, o golpe se materializaria”.
O terceiro motivo foi o fato do PT, e Lula, terem se aproximado novamente das bases, das quais se afastaram no período em que foram poder. As caravanas e conferências e, especialmente, o contraste violento com o governo Temer, os abusos contra Lula, elevaram sua mística a níveis inéditos entre as classes de menor renda.
As pesquisas qualitativas, mesmo as manifestações espontâneas em diversos locais públicos – como a rodoviária de Brasília – mostram o mesmo discurso da parte dos entrevistados: lembram o que ganharam no governo Lula, o que estão perdendo agora e encaram a volta de Lula como único ponto de esperança. O tema comum é: “Eu quero meu futuro de volta”.
Há a identificação cultural e afetiva com o homem do povo, fruto do carisma pessoal de Lula. Mas há também uma base profundamente material, reforçada pelo desalento atual com o desemprego e com a deterioração dos níveis de emprego.
Se Lula abrir mão da candidatura, poderá ser encarado como traição. Se for impedido de se candidatar, reforçará os laços com a base.
Há um quarto motivo, a resistência a Ciro Gomes devido à sua trajetória política errática, pelas posições que tomou, de claro antagonismo ao PT e a Lula.
Peça 4 – os trunfos
Há esperanças vagas de que os tribunais não impeçam a candidatura Lula. Aferram-se ao caso Rosa Weber, que não acolheu representação do MBL para julgar antecipadamente o direito de Lula se candidatar. Seria um indício de que não haveria veto prévio à candidatura de Lula.
Avança-se também na conversa com partidos de esquerda mais próximos.
Com PCdoB há alguma ambiguidade. Mesmo que a cúpula vá com Ciro, a base é lulista, devido à penetração de Lula no Nordeste. O PCdoB precisará desse lastro nas eleições de Flávio Dino, no Maranhão, e da senadora Vanessa Graziottin, no Amazonas.
Com PSB a diferença é mais profunda. O novo PSB, que votou contra a reforma trabalhista, é essencialmente nordestino. No Sul, o PSB é mais conservador. Em Minas, a candidatura de Márcio Lacerda poderá atrapalhar o governador Fernando Pimentel. O divisor de águas é Pernambuco, estado no qual o PSB precisará muito do PT, devido à possível candidatura de Marilia Arraes. Fechando o acordo, o PT abrirá mão da sua candidatura.
No plano programático, foram anunciadas as cinco ideias centrais da campanha:
Soberania popular
Nova era de direitos
Pacto federativo
Novo modelo de desenvolvimento
Transição ecológica para século 21
A entrevista de Fernando Haddad à Folha de hoje explicitou a proposta de casar responsabilidade social com ideias contemporâneas,de buscar a isonomia social através de leis e políticas testadas em grandes economias de mercado. Em suma, fugir da dicotomia rico x pobre, para modernos x anacrônicos.
Aliás, os setores liberais mais modernos já estão aceitando até acabar com a excrescência de isenção fiscal para ganhos de capital e dividendos.
Peça 3 – as agruras da direita
Considera-se que direita tem a força, mas não tem a legitimidade.
De uma lapada só o golpe liquidou com o pacto social de Lula, com a Constituição de 1988 e com a herança de Vargas. Foi gestada pelo PSDB, com a Ponte para o Futuro, implantada no governo Temer e será aprofundada no governo Alckmin.
É um projeto de poder que consiste em:
Venda das riquezas naturais
Privatização selvagem
Apropriação da renda do trabalhador e dos fundos sociais.
Eliminação das políticas sociais.
Destruição do conceito de nação.
Esse projeto não pode ser explicitado eleitoralmente, exigindo enormes malabarismos retóricos de seus defensores.
Na avaliação dos estrategistas do PT, a situação da direita é mais periclitante:
O quadro internacional.
A linha golpista dificilmente terá apoio do quadro internacional, devido ao acirramento da desglobalização. A Ponte para o Futuro tinha unidade de interesses externos e internos. A eleição de Donald Trump embolou. Agora, ficou difícil reconciliar o velho pacto do Real.
A armadilha recessiva. Golpismo não conseguiu se legitimar economicamente. Antes, as pessoas acreditavam que o desemprego era um problema de cada um. Agora, tornou-se claro que é um problema estrutural, de política pública com 28 milhões de pessoas procurando trabalho e até os que trabalham não tendo mais segurança.
As propostas em off
A direita não conseguiu produzir um projeto de país, uma visão de futuro minimamente razoável, nem um candidato competitivo. O único nome em que apostam, agora, é Geraldo Alckmin, que, na campanha, terá de esconder não apenas a natureza de suas propostas, como as alianças com o fisiologismo mais nefasto da República e as ligações com o governo Temer. É pouco?
Peça 4 – o plano B
Por tudo isso, a ideia é levar a candidatura Lula até o último momento. Sabem dos riscos, da aliança do golpe que junta Judiciário-mercado-mídia-Temer-PSDB. Mas entendem que o risco maior seria a esquerda passar por diluição no momento em que a direita radicaliza seu programa.
Para agosto, estão programados eventos em todo o país, pela libertação de Lula.
Se o Judiciário explicitar o estado de exceção e negar o registro, nesse caso lançar-se-á um candidato do PT que será a sombra de Lula. Terá que ter personalidade, lealdade, e, ao mesmo tempo, se limitar a ser o intermediário da palavra de Lula.  Na campanha, ele falará em nome de Lula e dirá que todas suas decisões são decisões de Lula.
Há convicção de que o ungido teria condições de passar para o segundo turno.
As pesquisas de opinião são amplamente favoráveis a Lula.
Há duas regiões que se equilibram: Nordeste, com o lulismo avassalador; e São Paulo com sua dose de antilulismo. Mesmo assim, notam-se melhorias do apoio a Lula no estado.
No Sudeste – Rio, Minas Gerais, Espírito Santo – a situação é parelha.
As incógnitas são o Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – e o centro-oeste. Por lá, região mais conservadora do país, observa-se um crescimento surpreendente da candidatura Lula.
Mesmo assim, a expectativa maior é de derrota do segundo turno. Mas, na opinião dos estrategistas, evita-se o pior dos mundos: entrar em uma frente de esquerda, ser derrotado e perder a base social.
Resumo
No último Xadrez apresentei todos os riscos da candidatura Lula. Neste, os argumentos em favor da sua manutenção. O PT segue a lógica normal da sobrevivência partidária e de seu projeto de país.
O leitor que pese os argumentos de lado a lado e tire suas conclusões

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