Redação Conversa Afiada
Levante faz esculacho
do torturador da Dilma
A batata da Lei da Anistia assa no Guarujá
Igor Felippe enviou o texto e a foto:
Da Página do Levante Popular
Cem jovens do Levante Popular
da Juventude fizeram o esculhacho do tenente-coronel reformado Maurício
Lopes Lima, que foi reconhecido pela presidenta Dilma Roussef como
torturador da Operação Bandeirante, no município do Guarujá, no litoral
de São Paulo (Rua Tereza Moura, 36), nesta segunda-feira (14/5). Lopes
estava no apartamento. Os jovens tocaram o interfone, mas ninguém
atendeu.
Em depoimento à Justiça
Militar, em 1970, quando tinha 22 anos, Dilma afirmou ter sido ameaçada
de novas torturas por dois militares chefiados por Lopes. Ao
perguntar-lhes se estavam autorizados pelo Poder Judiciário, recebeu a
seguinte resposta: “Você vai ver o que é o juiz lá na Operação
Bandeirante” (um dos centros de tortura da ditadura militar).
Maurício Lopes Lima foi
apontado pelo Ministério Público Federal (MPF), em ação civil pública
ajuizada em novembro de 2010, como um dos responsáveis pela morte ou
desaparecimento de seis pessoas e pela tortura de outras 20 nos anos de
1969 e 1970. Segundo o MPF, o militar foi “chefe de equipe de busca e
orientador de interrogatórios” da Operação Bandeirante (Oban) e do
DOI/Codi (veja destaques).
Lopes nega ter torturado
qualquer preso, incluindo a presidenta, mas admite que a tortura era um
procedimento comum à repressão. Em entrevista ao jornal A Tribuna, de
Santos, em 2010, declarou: “Eu sou uma testemunha da tortura. Sim, eu
sou. (…) a tortura, no Brasil, era uma coisa comum (…) da polícia
nossa.”
Em entrevista em 2003 ao
jornalista Luiz Maklouf Carvalho, Dilma foi perguntada de quem apanhava
quando estava presa e respondeu: “O capitão Maurício sempre aparecia”.
Dilma, que era uma das líderes
da VAR-Palmares, foi presa em 16 de janeiro de 1970. Ela foi
brutalmente torturada e seviciada, submetida a choques e pau-de-arara
durante 22 dias. No depoimento à Justiça Militar, em Juiz de Fora, em
18 de maio, cinco meses depois de ser presa, Dilma deu detalhes da
tortura no Dops. “Repete-se que foi torturada física, psíquica e
moralmente; que isso de seu durante 22 dias após o dia 16 de janeiro
(dia em que foi presa)”, diz trecho do depoimento.
Esculachos em série
O movimento social Levante
Popular da Juventude promove mais uma rodada de esculacho de
torturadores e agentes da repressão da ditadura em todo o país, nesta
segunda-feira (14/5). Os manifestantes apoiam a instalação da Comissão
da Verdade, cobram a localização e identificação dos restos mortais de
desaparecidos políticos e exigem que os torturadores sejam julgados e
punidos.
O jovens condenam a
movimentação dos setores conservadores dentro e fora das Forças
Armadas, que não aceitam a democracia e não admitem a memória, a
verdade e a justiça, desrespeitando a autoridade da presidenta Dilma
Rousseff e ministros de Estado, como no manifesto “Alerta à nação”.
Por isso, os jovens saem às
ruas para denunciar a impunidade de torturadores e criminosos da
ditadura com o objetivo de sensibilizar a sociedade e garantir que a
Comissão tenha liberdade para fazer o seu trabalho e alcance seus
objetivos.
Os jovens do Levante apoiam a
Comissão e lutam para que sejam esclarecidos as graves violações de
direitos humanos, como torturas, mortes, desaparecimentos, ocultação de
cadáveres. Também querem a identificação dos autores desses crimes e
das estruturas estatais e privadas envolvidas nesses crimes.
A partir disso, os jovens
apoiam que o relatório da Comissão da Verdade seja encaminhado aos
órgãos públicos competentes para auxiliar na localização e
identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos,
colaborando para a apuração das violações de direitos humanos e fazendo
recomendações para a adoção de medidas e políticas públicas para
assegurar que não aconteçam novamente.
Abaixo, leia nota do Levante sobre a instalação da Comissão da Verdade:
#Levantecontratortura: Comissão precisa de apoio para alcançar objetivos
A Comissão Nacional da Verdade
precisa de apoio e acompanhamento de toda a sociedade, para que venha a
cumprir a contento a tarefa que tem pela frente:
- conhecer a verdade sobre os
processos de tortura, estupro, morte e desaparecimento forçado dos
homens e mulheres que resistiram à Ditadura Militar;
- levar ao conhecimento da
sociedade as lutas e a resistência daqueles que enfrentaram a ditadura
e os nomes dos agentes do aparelho repressivo e os crimes por eles
cometidos;
- fornecer os elementos
necessários para que os torturadores, estupradores, homicidas e
sequestradores que agiram em nome da ditadura com crime e covardia – e
se escondem até hoje – possam ser responsabilizados e punidos, como
determinou a Corte Interamericana de Direitos Humanos;
Convidamos a juventude e toda
a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão Nacional da
Verdade, contra as pressões para que seus objetivos não sejam cumpridos
ou os resultados desmoralizados, e contra os torturadores, que hoje
denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a
liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não
esqueceremos, nem descansaremos.
Abaixo, leia a entrevista
publicada pela Folha de S. Paulo, no 21 de junho de 2005, concedida em
2003 ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho.
Que lembranças a sra. guardou dos tempos de cadeia?
Dilma Rousseff – A prisão é uma
coisa em que a gente se encontra com os limites da gente. É isso que às
vezes é muito duro. Nos depoimentos, a gente mentia feito doido. Mentia
muito, mas muito.
Em um dos seus depoimentos da
fase judicial, a sra. denunciou que o capitão Maurício foi ameaçá-la de
tortura por estar indignado com as propositais contradições de seus
depoimentos.
Dilma – Voltei várias vezes para a
Oban, a Operação Bandeirante. Descobriam que uma história não fechava
com a outra, e aí voltava. Mas aí eu já era preso velho. Preso velho é
um bicho muito difícil de pegar na curva. Preso novo, você não sabe o
tamanho da dor.
Como era essa história de mentir diante da tortura?
Dilma – A gente tinha que fazer
uma moldura e só se lembrar da moldura, da história que se inventava, e
não saía disso. Tinha que ter uma história. Na relação do torturador
com o torturado a única coisa que não pode acontecer é você falar “não
falo”. Se você falar “não falo”, dali a cinco minutos você pode ser
obrigado a falar, porque eles sabem que você tem algo a dizer. Se você
falar “não falo”, você diz pra eles o seguinte: “Eu sei o que você quer
saber e não te direi”. Aí você entrega a arma pra ele te torturar e te
perguntar. Sua história não pode ser “não falo”. Tem que ser uma
história e dali para a frente você não sabe mais nada, não pode saber.
Pergunta – É um jogo difícil.
Dilma – É uma arte. A dificuldade
é convencê-lo de que você não sabe mais do que aquela moldura. Não é um
jogo só de resistência física, é de resistência psíquica. Até porque
uma das coisas que você descobre é que você está sozinho.
Quais são as cenas que estão vindo na sua cabeça, agora?
Dilma – Eu lembro de chegar na
Operação Bandeirante, presa, no início de 70. Era aquele negócio meio
terreno baldio, não tinha nem muro, direito. Eu entrei no pátio da
Operação Bandeirante e começaram a gritar “mata!”, “tira a roupa”,
“terrorista”, “filha da puta”, “deve ter matado gente”. E lembro também
perfeitamente que me botaram numa cela. Muito estranho. Uma porção de
mulheres. Tinha uma menina grávida que perguntou meu nome. Eu dei meu
nome verdadeiro. Ela disse: “Xi, você está ferrada”. Foi o meu primeiro
contato com o esperar. A pior coisa que tem na tortura é esperar,
esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi.
Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo
branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um
cheiro…
Por onde a tortura começou?
Dilma – Palmatória. Levei muita palmatória.
Quem batia?
Dilma – O capitão Maurício sempre
aparecia. Ele não era interrogador, era da equipe de busca. Dos que
dirigiam, o primeiro era o Homero, o segundo era o Albernaz. O terceiro
eu não me lembro o nome. Era um baixinho. Quem comandava era o major
Waldir [Coelho], que a gente chamava de major Lingüinha, porque ele
falava assim [com língua presa].
Quem torturava?
Dilma – O Albernaz e o substituto
dele, que se chamava Tomás. Eu não sei se é nome de guerra. Quem
mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O Albernaz
batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te
interrogar. Se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da
palmatória, eu fui pro pau-de-arara.
Dá pra relembrar?
Dilma – Mandaram eu tirar a roupa.
Eu não tirei, porque a primeira reação é não tirar, pô. Eles me
arrancaram a parte de cima e me botaram com o resto no pau-de-arara. Aí
começou a prender a circulação. Um outro xingou não sei quem, aí me
tiraram a roupa toda. Daí depois me botaram outra vez.
Com choques nas partes genitais, como acontecia?
Dilma – Não. Isso não fizeram. Mas
fizeram choque, muito choque, mas muito choque. Eu lembro, nos
primeiros dias, que eu tinha uma exaustão física, que eu queria
desmaiar, não agüentava mais tanto choque. Eu comecei a ter hemorragia.
Onde eram esses choques?
Dilma – Em tudo quanto é lugar.
Nos pés, nas mãos, na parte interna das coxas, nas orelhas. Na cabeça,
é um horror. No bico do seio. Botavam uma coisa assim, no bico do seio,
era uma coisa que prendia, segurava. Aí cansavam de fazer isso, porque
tinha que ter um envoltório, pra enrolar, e largava. Aí você se urina,
você se caga todo, você…
Quanto tempo durava uma sessão dessas?
Dilma – Nos primeiros dias, muito
tempo. A gente perde a noção. Você não sabe quanto tempo, nem que tempo
que é. Sabe por quê? Porque pára, e quando pára não melhora, porque ele
fala o seguinte: “Agora você pensa um pouco”. Parava, me retiravam e me
jogavam nesse lugar do ladrilho, que era um banheiro, no primeiro andar
do DOI-Codi. Com sangue, com tudo. Te largam. Depois, você treme muito,
você tem muito frio. Você está nu, né? É muito frio. Aí voltava. Nesse
dia foi muito tempo. Teve uma hora que eu estava em posição fetal.
Dá pra pensar em resistir, em não falar?
Dilma – A forma de resistir era
dizer comigo mesmo: “Daqui a pouco eu vou contar tudo o que eu sei”.
Falava pra mim mesmo. Aí passava um pouquinho. E mais um pouco. E aí
você vai indo. Você não pode imaginar que vai durar uma hora, duas. Só
pode pensar no daqui a pouco. Não pode pensar na dor.
A sra. agüentou?
Dilma – Eu agüentei. Não disse nem
onde eu morava. Não disse quem era o Max [codinome de Carlos Franklin
Paixão de Araújo, então seu marido]. Não entreguei o Breno [Carlos
Alberto Bueno de Freitas], porque tinha muita dó. Vou dizer uma coisa
que uma tupamara, presa com a gente, disse pra mim. A tupamara ficou
até com lesão cerebral. Ela disse: “Sabe por que eu não disse, naquele
dia, quem era quem? Porque eu era mulher do fulano de tal e queria
provar que o uruguaio é tão bom quanto o brasileiro”.
Qual é o significado da frase?
Dilma – Que as razões que levam a gente a não falar são as mais variadas possíveis.
Quais foram as suas?
Dilma – Tinha um menino da ALN que
chamava “Mister X”. Eu o vi completamente destruído. Não sei o que foi
feito dele. Nunca vou esquecer o quadro em que ele estava. Primeiro, eu
não queria que meus companheiros estivessem numa situação daquelas.
Segundo, eu tinha medo que algum deles morresse. Terceiro, porque teve
um dia que eu tive uma hemorragia muito grande, foi o dia em que eu
estive pior. Hemorragia, mesmo, que nem menstruação. Eles tiveram que
me levar para o Hospital Central do Exército. Encontrei uma menina da
ALN. Ela disse: “Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e
você não ter que voltar”.
Palmatória, pau-de-arara, choque. O que mais?
Dilma – Não comer. O frio. A
noite. Eles te botam na sala e falam: “Daqui a duas horas eu volto pra
te interrogar”. Ficar esperando a tortura. Tem um nível de dor em que
você apaga, em que você não agüenta mais. A dor tem que ser infligida
com o controle deles. Ele tem que demonstrar que tem o poder de
controlar tua dor.
E o torturado?
Dilma – O jogo é jamais revelar
pra ele o que você acha. Ele não pode saber o que você pensa e ele
nunca pode achar que você só fala depois de apanhar. Jamais. É melhor
você não deixar ele perceber que te tira informação por tortura. Tem
que ter uma história. O ruim é quando a sua história rui, por qualquer
motivo. Ele acha que você mentiu. Se ele achar que você mentiu, você
está roubada. Ele descobriu qual é o jogo. Quando você volta, e é por
isso que voltar é ruim, ele diz: “Você mentiu, pô, o negócio é que você
mente”.
A sua história caiu?
Dilma – Uma vez caiu tudo, mas aí
era tarde demais. Caiu tudinho da Silva. Porque eu dizia que o meu
marido tinha seqüestrado o avião e que, se eu não tinha saído com ele,
é que eu era uma pessoa que não sabia de nada, que, se soubesse, teria
ido junto. Aí eles descobrem que eu era da direção da VAR, e que
portanto era impossível não saber do seqüestro. Tava zebrado. Aí tem
que falar: “Não, eu era da direção, mas estava separada dele”. Se a sua
história cai, você está roubado.
O que é que ajuda, nesses momentos?
Dilma – Se eu tivesse ficado
sozinha na cadeia, teria muito mais problemas. Devo grande parte de ter
superado, absorvido e em alguns momentos chegado até a ironizar a
tortura, para agüentar, às minhas companheiras. Eu lembro do povo do
[presídio] Tiradentes, que esteve comigo.
De algum momento em particular?
Dilma – Quando alguma de nós era
chamada para o repique, que era voltar à Oban, havia um processo de
contágio, de medo, e de uma identificação muito forte entre nós. Como
forma de ter controle da situação, a gente dessolenizava. Então, tinha
uma variante de grito de guerra. Não mostra que a gente foi heroína,
coisíssima nenhuma, e não é nesse sentido. Mas foi a tentativa mais
humana de dominar o indizível, que era dizer: “Fulana, não liga não, se
você for torturada a gente denuncia”. E ria disso, pela ironia absoluta
que é. O que é que adianta denunciar? Para torturado, o que é que
adianta? Mas a gente gritava isso na hora que a pessoa estava saindo da
cela, como uma forma de manter o nível de controle sob seu destino, que
você não tinha. Você não sabia para onde você ia ou para onde a sua
companheira ia.
Que balanço a sra. faz da experiência desse período?
Dilma – Não daria certo. A gente
fez uma análise errada. Achamos que a ditadura estava em crise, e
estava iniciando o “milagre” [econômico]. A gente não percebeu em que
condições a atuava. Se a gente tivesse feito uma análise correta da
realidade, se tivesse visto o que estava acontecendo… Mas a gente não
percebeu, apesar da retórica, qual era o nível de endurecimento
político e de repressão que eles iam desenvolver.
O que dizia a retórica?
Dilma – A gente achava que o
negócio era uma guerra revolucionária prolongada, ou era um processo de
guerrilha urbana, no momento em que o sistema estava em expansão ou ia
começar uma baita expansão e o endurecimento pesado. Não se esqueça que
no meio de 69 tem a Junta Militar, e daí para a frente você tem talvez
o período mais pesado da ditadura, que é o período Médici. É o prende,
prende, mata, mata. Numa situação dessas, nós estávamos muito isolados,
talvez umas 240 pessoas. O que é que eles fizeram? Eles nos cercaram,
desmantelaram, e uma parte mataram. Foi isso que eles fizeram conosco.
Eles isolaram a gente e mataram.
E por que se avaliou tão mal?
Dilma – De uma certa forma, a
gente tinha um modelo na cabeça. De todo forma, eu acho que a minha
geração tem um grande mérito, que é o negócio da Var-Palmares: “Ousar
Lutar, Ousar Vencer”. Esse lado de uma certa ousadia. A gente tinha uma
imensa generosidade e acreditávamos que era possível fazer um Brasil
mais igual. Eu tenho orgulho da minha geração, de a gente ter lutado e
de ter participado de todo um sonho de construir um Brasil melhor. Acho
que aprendemos muito. Fizemos muita bobagem, mas não é isso que nos
caracteriza. O que nós caracteriza é ter ousado querer um país melhor.
Foto do Albernaz, torturador da Dilma
- O esculacho do Albernaz. O STF é a última barreira a cair
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