segunda-feira, 30 de outubro de 2017

dura de Franco
“Para deixar de sofrer após 45 anos seria muito mais simples aceitar que meu filho morreu, mas não posso aceitar: por que mentiram durante todo esse tempo?”, lamenta uma das mães que teve seu bebê roubado dentro de um hospital.

Por Victor David Lopez em 30 de outubro às 10h15
A prática de roubar bebês durante a ditadura do general Francisco Franco (1936-1975) para venda em adoções ilegais é uma das maiores feridas abertas da Espanha. Estima-se que 300 mil crianças tenham sido apropriadas desde a Guerra Civil, nos anos 1930, até a transição democrática, nos anos 1990. As vítimas foram famílias pobres ou da oposição à ditadura.

Hoje milhares de famílias procuram por seus filhos, sequestrados dentro das maternidades. Alicia Silvia Goitia Morán deu à luz o seu primeiro filho em 1972. Os médicos diziam que os bebês tinham falecido, mas ela descobriu que ele pode estar vivo. O parto aconteceu no Hospital Clínico San Carlos, um dos locais onde funcionava o esquema.

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Atualmente os tribunais espanhóis têm mais de 2.500 denúncias de roubo sendo investigadas. O escândalo começou no ano 2008 através de adoções ilegais e as polêmicas com uma freira, María Gómez Valbuena, falecida em 2013, e que havia sido denunciada por uma mãe. Ela foi acusada de dois casos de sequestro e falsificação de documentos, mas morreu antes de ser julgada.

“Para deixar de sofrer após quarenta e cinco anos seria muito mais simples aceitar que meu filho morreu, mas não posso aceitar: por que mentiram durante todo esse tempo?”, lamenta Alicia. Veja abaixo a entrevista.



Como foi o seu parto, naquele mês de novembro, há quarenta e cinco anos?

Na manhã do dia 26 de novembro, eu começo a sentir bastante incômodo e então me internam lá pela uma da tarde. Eu não dei à luz até as 22h10 ou 22h15, uma coisa assim. Com bastante dificuldade, mas a criança nasce perfeitamente bem, chorando à beça. Pesou quatro quilos e alguma coisa. Existem diferenças nos relatórios, mas era uma criança grande, uma criança já crescida.

Naquele momento a senhora esteve com o seu filho nos braços? Ele estava bem?

Meu filho vem comigo da sala de parto até o quarto. Fico com ele até uma da manhã mais ou menos, quando passa uma enfermeira e o pega. Eu tinha muitos pontos de sutura após o parto porque era uma criança muito grande e ficava presa ao nascer, mas só isso. De manhã, eles trazem a criança, junto com as outras crianças das outras mães. O médico o revisa junto a mim, na minha cama, e diz que ele está perfeito. Eu o vejo, é uma criança linda, gordinha, como um boneco. Era louro de olhos claros, como seu pai e sua avó. Olhos celestes transparentes.

Então aparece uma freira que pega o seu filho. A senhora tinha visto ela antes?

Nunca tinha visto antes e nunca a vi depois. Durante a minha estadia no hospital não vi freiras. Ela entrou, olhou ao redor, viu meu filho e disse “o que essa criança está fazendo aqui?”. Pegou meu filho e saiu correndo. Não deu explicações, eu fiquei lá com vontade de falar uma porção de coisas: “Ele estava comigo! Pra onde você vai levá-lo?”, mas fiquei lá. Eu estava na Espanha há menos de um ano, não sabia o funcionamento das coisas, era meu primeiro filho, em um país que não era o meu, e na época do Franco que sabíamos que tinha muitas coisas que nós não podíamos nem perguntar. Achando que tudo aquilo era normal, fiquei tranquila no hospital, esperando.

E nunca mais voltou a ver o seu bebê.

Eu perguntei a que horas iam me trazer o bebê de volta, então uma enfermeira me perguntou se eu tinha leite nos seios. Eu respondi que não sabia. Ela não me examinou para saber se eu tinha ou não. Então ela tira do bolso dela um elástico e uma seringa e dá uma injeção no meu braço, que eu pensava que era para o leite descer, mas depois vendou os meus seios e a partir daí não lembro de mais nada daquele dia.

A partir de então começou a mesma tática que com as outras mães que denunciaram os roubos?

Aos pés da cama um médico me fala: “que pena, senhora, seu filho adoeceu, o levamos para um outro andar para atendê-lo. E eu ainda adormecida, anestesiada ou drogada, não pensava em outra coisa que não fosse pedir a quem quer que seja que salvasse o meu filho. E fiquei esperando. O médico passava a cada quanto para dizer que estavam fazendo tudo o que era possível.

Quando e como os médicos confirmaram a suposta morte do seu filho?

No dia 29, de manhã cedo, eu fui me lavar, fazer as minhas necessidades. O banheiro estava fora do meu quarto. Vejo um dos médicos residentes e ele me diz: “senhora, é uma pena, fiquei sabendo que seu filho faleceu.” Ele estava convencido de que eu sabia.

Porém, a desinformação e a mentira hospitalária continuava.

Voltei pro meu quarto e comecei a chorar embaixo da roupa da cama. Passados dois minutos o médico chegou, o mesmo que tinha me falado que o bebê estava doente, e me pergunta tranquilamente o porquê do meu choro já que eles estavam fazendo todo o possível. Eu saí debaixo dos lençóis e comecei a falar aberrações pra ele. Imagine só, primeiramente falam que estão fazendo o possível, depois que ele está morto, mais tarde que por que eu choro se eles estão fazendo o possível. Ele ficou gelado. Não falou nada porque na minha irritação eu não deixei ele falar, o expulsei do quarto.

A senhora tem a certidão de óbito do seu filho?

Não, nunca, não tenho uma certidão de óbito. Nem tenho uma alta médica. Não tenho nada. O médico voltou quando o meu marido chegou. Eu perguntei, mais sossegada, a causa da morte do meu filho. Ele disse que foi hipotireoidismo. Perguntei que como sabiam e ele falou que tinham feito uma autópsia. Naquele momento eu não pensei nada, mas agora penso: quem autorizou a autópsia? Eu tenho hipotireoidismo e por isso não me pareceu suspeito. Mas continuava sem acreditar, duvidando, nunca me deixaram vê-lo, nunca me mostraram o meu filho, nem quando o estavam tratando. Depois eu tive mais filhos. Aos quinze meses tive a minha primeira filha, também com um peso extraordinário, nunca tive problemas com ela.

Sem certidão de óbito, existe algum documento com informações oficiais daqueles dias?

Em 2014 e 2015, após revisarem manual e digitalmente os arquivos, me disseram que eu nunca havia estado lá, que nunca havia estado internada, que jamais tive um filho e, obviamente, que não existiu nenhuma autópsia. Em 2016, subitamente, cinco minutos antes de eu fazer uma outra denúncia, aparece um arquivo que diz que meu filho nasceu, que me filho morreu, e que fizeram autópsia. Mas, parece que meu filho faleceu de quatro causas diferentes.

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