Infância
Num grande espaço, onde é clareira, vão
Bailando as fadas e há luar ali.
Se quem olha é feliz, não vê senão
Uma sombra no chão, que é a de si.
Mas se quem olha não conhece nada
E deixa a vida ser o que ela é,
Seus olhos vêem claro cada fada
E cada fada é que merece fé.
Assim ao bosque solitário, e cheio
De cousas que a quem vive são não-ser,
Levei o meu cansaço e o meu enleio,
E, porque não sou nada, pude ver.
Assisti, distraído de ser eu,
Ao bailado das fadas entre si,
E não conheço história de haver céu
Igual à dança anónima que vi.
Com que grande vontade do desejo
Eu dera a alma inteira só por ter
Um momento a floresta e o ensejo
E as fadas todas para conhecer.
Criança contra os Deuses, minha sorte
Acabaria ali, dançando ao luar,
E era melhor do que ter vida e morte,
E uma alma imortal com que contar.
Mas tudo isto é sonho, ainda que não.
Fadas, se existem, são de pouca dura.
Só a maçada de Deus tem duração,
Só a Realidade não tem cura.
Quero não ter nem deuses nem deveres!
Matem-me ao luar, em áleas afastadas!
Corpo e alma enterrem-me entre malmequeres!
Fernando Antônio Nogueira Pessoa (Lisboa, Portugal, 13 de junho de 1888 - Lisboa, 30 de novembro de 1935) - Considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa, foi criado da África do Sul. Além de poeta, foi tradutor, astrólogo, jornalista, crítico literário. Se tornou também muito conhecido pelos seus heterônimos literários, com especial destaque para Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
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