O caso Folha x Falha.
Quem pode fazer piada ?
Por que a imprensa pode fazer piadas com a sociedade e nós somos proibidos de fazer com ela?
O caso da ação judicial movido
pelo jornal Folha de S. Paulo contra os irmãos Lino e Mario Bocchini é
exemplar para provocar uma reflexão sobre os limites éticos do debate da
liberdade de expressão sob o ponto de vista de setores importantes da
mídia tradicional. Os irmãos Bocchini criaram o blog Falha de S.Paulo,
espaço irreverente e descontraído de análise e críticas de matérias e
conteúdos veiculados no tradicional diário paulista.
Como paródia, naturalmente, o blog é
“uma obra literária que imita outra obra literária”, evidentemente que
em tom caricato com “objetivo jocoso ou satírico”, segundo o dicionário
Houaiss. Observa-se aqui com nitidez aquilo que classifico como uma
característica marcante da mídia tradicional e conservadora do Brasil. A
seletividade na abordagem dos temas ou como analisar temas semelhantes
de maneira distinta a partir dos interesses que estão em jogo,
propondo-se a criar indicativos no leitor/telespectador sobre a
relevância dos acontecimentos e os fatos essenciais para o seu
comportamento no meio social, não só refletindo, mas também
reconstruindo a própria realidade, ao gosto dos grandes empresários da
comunicação deste país. Verifica-se, assim, o papel ideológico
representado pela mídia tradicional, atuando em favor da manutenção da
preeminência ideológica dominante.
No processo eleitoral de 2010, a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert)
questionou no Supremo Tribunal Federal a proibição de fazer sátiras a
políticos durante a campanha. Acertadamente, o STF liberou o uso de
sátiras e manifestações de humor contra políticos, acatando proposta da
Abert. “O riso e o humor são expressões renovadores, de estímulo à
prática da cidadania. O riso e o humor são transformadores,
saudavelmente subversivos, são esclarecedores e reveladores, e, por
isso, são temidos pelos detentores do poder”, afirmou no julgamento o
ministro Celso de Mello.
No mesmo julgamento, Gustavo Binenbojn,
advogado da Abert, destacou: “a sátira e o humor são formas consagradas
de manifestação artística e crítica política. O advogado da Abert
reforçou ainda a tese da entidade de que a proibição do humor causa
“grave efeito silenciador”.
No episódio em que a atriz Juliana Paes
move processo contra José Simão, colunista da Folha de S. Paulo, a
advogada do jornal, Tais Gasparin, a mesma que agora assina a ação
contra o blog Falha de S.Paulo, alega: “tratar o humor como ilícito, no
fim das contas, é a mesma coisa que censura”. A Folha de S. Paulo, que
apoiou a ditadura no Brasil, mantém-se, nesse episódio do blog Falha,
coerente ao seu passado, mas em contradição com seu discurso atual de
defesa da liberdade de expressão no país. De qual Folha estamos falando?
Seguindo a defesa da Folha, o Casseta
& Planeta, Pânico na TV, CQC estariam impedidos de utilizar a
paródia como instrumento de crítica humorística, que “se valem de
elementos visuais de importantes personalidades públicas para
identificação pelos telespectadores”. É o que dizer então do fato do
cartunista Ziraldo ter criado a revista “Bundas”, como paródia da
revista “Caras”, ou em plena ditadura o jornal O Pasquim referir-se ao
jornal O Globo como “The Globe”. Não há registro de terem sido
censurados ou de tentativa de censura.
Por fim, é curioso observar também que a
MTV Brasil em três oportunidades no dia 28 de junho levou ao ar o
logotipo idêntico usado pelo blog Falha de S.Paulo que satiriza o jornal
Folha de S. Paulo, que foi proibido pela justiça, no mesmo contexto
(paródia) sem que nenhuma ação fosse movida contra o Grupo Abril, dona
da MTV Brasil, revelando mais uma vez que a imprensa pode fazer piada
com ela mesma, a sociedade não. Lobo não como lobo, já diz um velho
ditado popular.
Não há dúvidas, portanto, que a ação
contra o blog Falha de S.Paulo é um recado a todos os blogueiros, sites,
tuiteiros e qualquer outro tipo de protagonismo possível que as novas
tecnologias têm permitido aos cidadãos e à sociedade civil de romper com
lógica vertical da comunicação. “Liberdade de expressão é bom, é um
princípio, mas não para vocês. O monopólio da informação e da livre
manifestação do pensamento é nosso, e qualquer tipo de crítica será
censurado. E se possível, ainda queremos, buscar uma indenização
daqueles que insistirem em nos desafiar”.
Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal.((Conversa Afiada-PHA)
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