sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Quando o “todo mundo sabe” é usado pela imprensa para legitimar a fofoca

Com o título “Todo mundo é sinônimo de ninguém”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade, que faz sua estreia neste espaço. Ele aborda a velha expressão “todo mundo” que é costumeiramente usada, em tudo que é segmento, e principalmente pela imprensa, para legitimar algo que cheira a fofoca ou especulação. Confira:
Quando estou dando aula pros meus alunos de Jornalismo, sempre deixo muito claro que uma das expressões que mais me irritam é “todo mundo”: “todo mundo sabe que…”; “todo mundo diz que…”; “ah! Isso aí tá na boca de todo mundo…”. Bom, se no senso comum já considero isso um problema, imagine quando se trata do trabalho com informação.
No esporte mais praticado no cotidiano – falar mal da vida alheia – se usa o “todo mundo” como base de qualquer castelo de areia de fofoca. É como se o “todo mundo” respaldasse institucionalmente uma verdade de validade universal. Mas verdades têm pai, mãe e registro de nascimento. O “todo mundo” é simplesmente uma alternativa covarde e anônima de quem não possui elementos suficientes para comprovar sua tese.
No mundo do jornalismo é pior ainda. “Todo mundo” e “ninguém” acabam sendo sinônimos. A expressão maldita serve somente para encobrir a incompetência de quem não conseguiu investigar e confirmar os dados para afirmar sua matéria como fato. Jornalista não acha: jornalista tem certeza. “Todo mundo” quem, cara pálida?
Imaginem o Faustão apresentando um grupo musical em seu programa: “sucesso em todo Brasil, todo mundo está ouvindo, mais de um milhão de cópias vendidas…”. Claro, o apresentador não é jornalista. Mas o bom jornalista, o que não se deixa “emprenhar pelos ouvidos” – para usar um termo popular – deve notar a contradição explícita na fala. Ora, se um milhão comprou e o Brasil tem 200 milhões de habitantes, “todo mundo” é a minoria da minoria.
Quando em vez somos sacudidos por “ondas de certeza” vindas, infelizmente, da imprensa. Estas “ondas” contrariam duas máximas do Direito, fartamente descumpridas pelos companheiros de redação. A primeira diz que todo suspeito é inocente até que se prove o contrário. A segunda afirma que o ônus da prova cabe ao acusador. Hoje, esta lógica é absolutamente invertida. Suspeitos são tratados como culpados e os acusados é que têm de se mobilizar para provar sua inocência, ao invés do denunciante.
O mais grave desta prática é que, depois que uma denúncia qualquer é publicizada de forma incorreta e cai na boca de “todo mundo”, esta entidade fictícia e dominadora tem o condão de multiplicar-se de forma infinitesimal. Quanto mais visíveis e polêmicos os assuntos, mais gente aparecerá reproduzindo – contra ou a favor – um ponto de vista baseado em suposições irresponsáveis.
Há coisas, segundo a sabedoria popular, que não voltam, como a flecha lançada, o tempo perdido e a palavra proferida. A honra de pessoas e instituições, a veracidade das informações e o compromisso com a ética não podem ser reféns desta prática nociva de reprodução calcada na “certeza” vazia do “todo mundo”. Tal expressão, de caráter hegemônico e totalitário, retira do cidadão o reconhecimento e o respeito aos seus direitos individuais mais básicos.
* Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.

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