O BATE-BOCA nuclear entre o presidente Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un às vezes parece uma enlouquecedora brincadeira de provocação, em que um comentário descompensado de um lado logo recebe uma réplica alucinada do outro. Trump chama Kim de “homem foguete”, Kim chama Trump de “velho gagá”, Trump publica no Twitter que Kim “não dura mais muito tempo”, e por aí vai.
Tudo isso levanta uma questão importante: qual desses homens incrivelmente equivocados é o mais instável e perigoso? O caminho para encontrar uma resposta começa com um artigo que Evan Osnos escreveu para a revista The New Yorker sobre sua recente viagem à totalitária Coreia do Norte. A “Carta de Pyongyang” tem 14 mil palavras, e foi elogiada como uma reportagem excepcional, que revelou os contornos rígidos e impenetráveis do mais conhecido pesadelo nuclear mundial.
Osnos descreveu a forma como foi recebido no aeroporto de Pyongyang por um educado vigia do governo que não o perdia de vista. Ele se hospedou em um hotel especial para estrangeiros, isolado da população em geral, e visitou uma escola em que até as falas dos alunos eram ensaiadas. Foi levado ao metrô de Pyongyang, e ouviu a explicação de que os profundos túneis poderiam servir de abrigo na hipótese de uma guerra nuclear com os Estados Unidos. Não lhe foi permitido fazer visitas espontâneas à casa de ninguém.
Essas coisas me impressionaram porque tive exatamente as mesmas experiências quando viajei para a Coreia do Norte — em 1989. O mesmo tipo de vigia, hotel e escola, a mesma proibição de aparecer no apartamento de qualquer um, e até o mesmo comentário do meu vigia de que o metrô serviria também como abrigo caso os EUA atacassem. Osnos e eu fomos levados à zona desmilitarizada entre as Coreias e fizemos o mesmo pedido inútil de entrevistar o líder supremo do país. Chegamos inclusive à mesma conclusão de que uma névoa obscura dificultava compreender melhor o que ocorria no país.
Fui correspondente do jornal The Washington Post na Coreia do Sul no final dos anos 1980, e tive sorte quando solicitei um visto norte-coreano. O título da reportagem de capa que escrevi 28 anos atrás poderia servir ainda hoje para o artigo de Osnos: “A Coreia do Norte mantém um sistema orwelliano.” Não estou querendo criticar o trabalho de ninguém — não há mesmo muito espaço para criatividade narrativa quando todo mundo é alimentado com a mesma ração há meio século.
Para um leitor regular de reportagens ocidentais sobre a Coreia do Norte, é possível perceber um padrão gritantemente imutável. Há tempo demais o governo da Coreia do Norte diz as mesmas coisas (que às vezes soam como disparates) e age da mesma forma (às vezes, disparando mísseis ou acionando dispositivos nucleares), fazendo um ótimo trabalho de ir até o limite, sem nunca atravessar. A Coreia do Norte só teve três líderes em toda sua existência: Kim Il-sung; seu filho, Kim Jong-il; e, por fim, o filho deste, Kim Jong-un. É crucial compreender que, longe de ser uma incógnita, esse é provavelmente o regime mais previsível do mundo; eles não são o fator surpresa no atual jogo de nervos.
Badges showing late North Korean leaders (L-R) Kim Il Sung and Kim Jong Il and new leader Kim Jong-Un for sale by a street vendor in the Chinese border town of Dandong on the second anniversary of the death of former leader Kim Jong-Il, December 17, 2013.  North Korean leader Kim Jong-Un presided over a major remembrance ceremony on the second anniversary of the death of his father and former leader Kim Jong-Il. The meeting came days after the shock execution of Kim Jong-Un's uncle and one-time political mentor, Jang Song-Thaek -- a purge that raised questions about the stability of the current regime in Pyongyang.        AFP PHOTO/Mark RALSTON        (Photo credit should read MARK RALSTON/AFP/Getty Images)
Broches mostram os líderes norte-coreanos do passado e do presente — a partir da esquerda, Kim Il-sung, Kim Jong-il e Kim Jong-un. Os objeto são vendidos nas ruas em Dandong, uma cidade chinesa de fronteira (17/12/13).
 
Foto: Mark Ralston/AFP/Getty Image