domingo, 13 de julho de 2014

Chegamos ao fim da leitura?

Por Eliana Rezende

  De novo sobre leitores e leituras. Instigando todos a pensar um pouco:



Em "Utopia de um homem que está cansado", Borges descreve o encontro do narrador com um homem de quatro séculos, que vive no futuro – ‘um homem vestido de cinza’, cor que envolve os mensageiros da estranheza em vários contos do escritor argentino – e que faz assustadoras revelações. Uma delas é a extinção da imprensa, “um dos piores males do homem, já que tendia multiplicar até a vertigem textos desnecessários”. (BORGES, 2001, p. 84)
À revelação do desaparecimento da imprensa no mundo do futuro, o narrador responde com um longo discurso:
“Em meu curioso ontem (...) prevalecia a superstição que entre cada tarde e cada manhã acontecem fatos que é uma vergonha ignorar. O planeta estava povoado de espectros coletivos, o Canadá, o Brasil, o Congo Suíço e o Mercado Comum. Quase ninguém sabia a história anterior desses entes platônicos, mas sim os mais ínfimos pormenores do último congresso de pedagogos, a iminente ruptura de relações e as mensagens que os presidentes mandavam, elaboradas pelo secretário do secretário com a prudente imprecisão de que era própria do gênero.
Tudo se lia para o esquecimento, porque em poucas horas o apagariam outras trivialidades. (...)
As imagens e a letra impressa eram mais reais do que as coisas. Só o publicado era verdadeiro”
. (BORGES,1995, p. 85)
A verdade é que neste tempo distante e assustador extinguiram-se não apenas os jornais, mas também os museus e as bibliotecas. Inexistem monumentos, feriados ou espaços de rememoração; inexistem cidades.
Tal como ocorre aqui no texto de Borges, a leitura parece ser feita sob muitas circunstâncias, para o esquecimento.
Gostaria de levá-los a repensar a literatura e suas relações com seus leitores e o contexto de produção de suas obras.
Isso porque a leitura sempre vai além do texto. É preciso tomar em conta o leitor, o escritor, o texto. a época em que o texto é produzido bem como o tempo em que o mesmo é lido. Cada texto assim pode ser sempre recriado, reinventado a cada vez que é reinterpretado e/ou assimilado. Mas vejo que cada vez mais essa forma de ler parece ser algo bem além do que nossa civilização seja capaz de fazer. Distraídos, dispersos e na maioria das vezes ávidos apenas pelo novo que chega, deixa essa possibilidade de leitura para trás.
Para este caso, a leitura talvez esteja encontrando o seu final. O déficit de atenção e a indisposição pela verticalização inviabilizam este tipo de leitura.
A literatura (seja ela de ficção ou não-ficção) e provavelmente seus autores terão que tomar esse dado além dos suportes e grau de interação possível e provável.
Tempos novos, interessantes e de muitos desafios.
Felizmente acho que muito poucos ainda põem em questão o término do livro.
Há algo aqui que envolve a qualidade de leitores. O bom leitor é arguto, perspicaz e caminha com o escritor. Busca todo o tempo interlocução de idéias e conteúdo. E talvez aqui exista a maior fragilidade a ser vencida. O verdadeiro leitor é antes de tudo um ser crítico. Não no sentido pejorativo de gostar ou não das coisas, mas no sentido de saber ser interlocutor fazendo as perguntas adequadas ao lido e as transpondo para seu universo de atuação. 
É assim que se constrói repertório: ler; questionar; reformular e aplicar.
Cada vez mais as pessoas acabam reproduzindo o lido é neste sentido que quero instigar os leitores a irem além do escrito e propor novos caminhos para antigos questionamentos.

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